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Parada Gay cresce a cada ano em São Paulo
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
01/06/2002 | 19:26
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O presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) de São Paulo, Roberto de Jesus, 39 anos, acredita que 300 mil pessoas compareçam neste domingo à tarde na avenida Paulista, para assistir a 6ª edição da manifestação de homossexuais. Em entrevista exclusiva ao Diário, Beto de Jesus, como ele prefere ser chamado, põe em dúvida o IBGE, que estima em 3 milhões o número de gays, lésbicas e bissexuais, que haveria no país. “É muito pouco”, afirma. Para ele, há pelo menos 17 milhões de brasileiros com opção não-heterossexual.

Ex-seminarista, bem articulado e incansável, Beto de Jesus organiza a Parada Gay desde 1997, quando reuniu cerca de 2 mil pessoas. Daquele ano para cá, os números sempre aumentaram: 8 mil em 1998; 35 mil em 1999; 120 mil em 2000; e a mais bem sucedida de todas – a de 2001 – quando compareceram 250 mil pessoas.

Beto de Jesus participou da entrega dos prêmios Cidadania e Respeito à Diversidade, na última segunda-feira, no Centro Cultural São Paulo. Às 23h30, acompanhado por um grupo de colaboradores, o presidente da Parada GLBT foi até o apartamento de um assessor. Bem acomodado em um sofá, e acompanhado de pizzas e refrigerantes, o presidente da maior Parada Gay da América Latina falou ao Diário sobre Aids, violência, cidadania e principalmente do direito de ser diferente:

Diário – O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – o IBGE – divulgou recentemente os números de um levantamento, que afirma existirem no Brasil 3 milhões de homossexuais. É muito ou pouco?
Beto de Jesus – É pouco. Essas pesquisas são feitas com base na assertiva da pessoa. Em um país com um grau muito grande de discriminação, como o Brasil, muita gente prefere não se declarar gay ou lésbica. Com base no Relatório do Instituto Alfred Kinsey (de 1948), que estima que 10% da população seja homossexual, haveria então, no Brasil, cerca de 17 milhões de pessoas com orientação não-heterossexual.

Diário – Qual é a origem da Parada Gay?
Beto de Jesus – No dia 28 de junho de 1969, houve um grande confronto entre gays e policiais em Nova York, no episódio que ficou conhecido como a Batalha de Stonewall. Havia esse bar, que era um reduto gay, o Stonewall (no bairro de Greenwich Village), que freqüentemente era ocupado pela polícia. Os gays apanhavam, eram revistados, até que eles decidiram que isso tinha de acabar. Naquela noite, quando houve nova batida (a segunda em uma mesma semana), os gays reagiram e o jornal Coming Out decretou essa jornada como a do Orgulho Gay. A partir daí, começaram a ser feitas passeatas.

Diário – Quando ocorreu no Brasil a primeira passeata de homossexuais?
Beto de Jesus – Em 1995, ocorreu no Rio de Janeiro a 17ª reunião da Ilga (International Lesbian Gay Association). Havia mais de 60 países representados. Quando os trabalhos terminaram, os participantes saíram em passeata pela avenida Atlântica. Dois anos depois, aconteceu a 1ª Parada em São Paulo, com a participação de 2 mil pessoas.

Diário – Qual era a reação das pessoas na rua?
Beto de Jesus – Nunca houve reação adversa. A cada ano temos mais participação de heterossexuais e sem nenhum tipo de situação de violência, de conflito ou qualquer ocorrência grave. A Parada é um tipo de fala. As pessoas falam com seus corpos, com sua sexualidade. É como se elas estivessem dizendo: eu não estou mais sozinha, há outras e muitas outras iguais a mim. É importante sentir esse espírito de corpo. É algo positivo na luta pela cidadania.

Diário – Se há esse desejo de integração, por que os jornais publicam muitos anúncios de gays que pedem parceiros que não freqüentem o meio? O que isso significa?
Beto de Jesus – São três solicitações que se vê geralmente: fora do meio, que não seja gordo, nem efeminado. Esses anúncios são minoritários, se comparados com a imensidão da comunidade homossexual. A pessoa quer alguém fora do meio, alguém não efeminado, para não se tornar visível. Nosso movimento caminha no sentido contrário. Nós queremos nos tornar visíveis. Nós temos auto-estima e isso nos garante contra nosso agressor. Sendo visível, é possível denunciar o agressor.

Diário – Qual foi a importância do presidente Fernando Henrique Cardoso ter empunhado a bandeira GLBT?
Beto de Jesus – Todo apoio é bem-vindo. Eu vou fazer uma analogia: se você é um músico e apóia o movimento GLBT, você compõe uma música; se é um escultor, faz uma escultura. Quando o chefe do governo diz que é favorável, isso é ótimo, só que ele tem a caneta na mão e precisa aprovar aquele projeto dos direitos civis, de autoria da então deputada Marta Suplicy (PT), que está desde 1996 parado no Congresso. Ele que chame sua bancada de sustentação e aprove logo a matéria.

Diário – Qual é a importância desse projeto para a comunidade GLBT?
Beto de Jesus – Esse projeto é importantíssimo para os homossexuais, porque encerra uma questão de juízo de valor. A legislação perante os heterossexuais é uma; e outra para os homossexuais. Não queremos juízo de valor, mas de direito. Quando me descontam do meu salário compulsoriamente INSS, IR e outros impostos, ninguém me pergunta qual é a minha orientação sexual. Agora, eu não posso colocar no plano de saúde o meu companheiro. Também não posso comprar um apartamento com ele. É um problema para transferir a pensão, herança. Se o projeto tivesse sido aprovado, não enfrentaríamos mais todas essas situações.

Diário – Na semana passada, as notícias sobre Aids eram boas. Houve 25% a menos de mortes de Aids, em 2001, em relação a 2000. Qual é a avaliação que você faz sobre o avanço ou recuo da doença?
Beto de Jesus – A notícia boa é que na população homossexual acima de 35 anos, – a minha geração que viu a cara da doença – a Aids manteve-se estacionada. Isso mostra que as pessoas estão se protegendo. A notícia má é que a doença tem atingido mais a faixa dos 15 aos 23 anos, que é uma geração que não viu a cara da doença e se acha segura, por causa dos coquetéis. Eu insisto, em todas as entrevistas, que o melhor remédio contra a Aids continua sendo a prevenção, usar camisinha nas relações sexuais. Hoje a Aids não é mais uma doença de homossexuais, como chegou a ser classificada há 20 anos. É um mal que atinge todo mundo e atualmente se espalha mais entre mulheres heterossexuais.

Diário – Como seus pais reagiram, quando você assumiu a sua homossexualidade?
Beto de Jesus – A princípio, houve uma situação de estranhamento. Havia um muro com informações incorretas, que nos distanciavam. Se você constrói um muro, não consegue enxergar as pessoas do outro lado. Consegui quebrar esse muro com ações positivas, com diálogo. Hoje minha família me apóia – meus pais, meus sobrinhos, meus irmãos. Eles têm orgulho do que sou. E isso me faz muito feliz.




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