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Raul Cortez estréia monólogo no Alfa Real
Do Diário do Grande ABC
07/04/1999 | 16:08
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Poesias, entrevistas, cançoes. O público poderá conhecer um pouco da obra e do pensamento de dois importantes poetas ibéricos, o português Fernando Pessoa (1888-1935) e o espanhol Federico Garcia Lorca (1898-1936) no espetáculo Um Certo Olhar - Pessoa Lorca, monólogo do ator Raul Cortez dirigido por José Possi Neto. O espetáculo estréia quinta-feira para o público inaugurando uma nova sala, de apenas 200 lugares, no Teatro Alfa Real.

O roteiro elaborado por Cortez ressalta temas, na obra de ambos os poetas, que retratam as inquietaçoes do ser humano do nascimento à morte. "Os primeiros poemas sao mais puros e falam da infância e, em seguida, surgem os que tratam com certa malícia das descobertas do amor e do sexo", diz José Possi Neto.

Depois, vêm os poemas e textos - de Lorca também sao utilizados trechos de suas peças, entre elas Os Malefícios da Mariposa - da maturidade. "Neles o homem já se reporta ao passado", explica Possi. Na fase final do espetáculo, o tema escolhido foi o do homem diante da morte.

"Nós brasileiros temos Portugal à nossa frente e a Espanha atrás, representada por nossos vizinhos de colonizaçao espanhola; juntar dois poetas ibéricos, aparentemente diferentes ajuda-nos a compreender um pouco melhor nossa identidade por vezes tao contraditória", diz Cortez.

A preocupaçao com nossa herança cultural nao é recente na trajetória do ator. Em 1985, Raul criou um roteiro semelhante, subindo ao palco pela primeira vez num espetáculo-solo, Ah! Mérica.

Acompanhado por dois violinistas, Cortez arriscava-se na dança flamenca, cantava e encarnava desde um velhaco Cristóvao Colombo até o cacique Tupac Amaru, num roteiro que costurava textos de Eduardo Galeano a poesias do chileno Nicanor Parra e de Carlos Drummond de Andrade, entre outros.

"Desde Ah! Mérica tenho vontade de voltar a mergulhar nessa idéia de mistura espanhola e portuguesa, que molda nossa identidade tao cheia de contradiçoes, um misto de pessimismo e otimismo muitas vezes difícil de entender; desta vez fui direto às origens", argumenta Cortez.

Como no espetáculo anterior, a música tem importante papel. "Os músicos acompanharam 70% dos ensaios e por isso a trilha sonora nao serve apenas para pontuar, mas está totalmente integrada na estrutura dramática do espetáculo", diz Possi.

Apresentam-se ao vivo no palco os músicos César Assolant (violao e guitarra flamenca) e Marcos Vinícius Penna (violino e bandolim). O primeiro repete a parceria feita com o ator em Ah! Mérica e o segundo, integrante do grupo XPTO, tem larga experiência na criaçao de música para teatro.

"Que ninguém venha para cá esperando ver um recital de poesias", avisa Possi. Ele ressalta que Cortez dialoga com o público como um contador de histórias e, aos poucos, vai adquirindo um tom mais confesssional. "Em nenhum momento o espetáculo adquire um tom recitativo".

Cortez optou por alguns poemas mais conhecidos, como Poema em Linha Reta, de Pessoa - "Nunca conheci quem tivesse levado porrada/ Todos os meus conhecidos têm sido campeoes em tudo/..." - e Romance Sonâmbulo, de Lorca - "Verde que te quero verde/ Verde vento/ Verdes ramas/..."

O ator, porém, garante que o roteiro surpreende, levando ao público também poesias menos conhecidas da obra dos dois artistas. "Ao fim, acho que o público sai mesmo fascinado com a qualidade desses dois poetas, cuja grandeza supera tudo, e está muito além de qualquer vaidade de ator", diz Cortez.

Aos 67 anos, depois de criar inúmeros personagens ao longo de uma carreira iniciada no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) sob direçao de Gianni Ratto, em Eurídice, e tendo no currículo peças como "Os Pequenos Burgueses", no Teatro Oficina e Yerma, sob direçao de Antunes Filho, Cortez tem planos ainda mais ambiciosos.

No próximo ano, espera interpretar o personagem central em Rei Lear, sob direçao de Ron Daniel, um dos diretores da Royal Shekespeare Company. "O sonho de todo ator é fazer Hamlet quando jovem e Lear na maturidade", diz Cortez. Tanto é assim que Sérgio Britto e Paulo Autran já realizaram o desejo de interpretar o difícil papel do rei que enlouquece depois de abrir mao do poder para suas três filhas.

Certamente, Cortez reúne idade e experiência na medida certa para o papel, disso ninguém duvida. Difícil mesmo é conseguir patrocinador para um espetáculo desse porte. Mas o ator é enfático. "Ainda nao posso revelar o nome, mas já tenho um patrocinador e ele vai ter de produzir o espetáculo".




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