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Desde o fim do século passado, até 2011, fui mobilizado por uma intensa curiosidade sobre o comunismo cubano. Das mãos de Lula e Fidel Castro surgira o Foro de São Paulo, que eu chamava Organização Comunistas Sem Fronteiras e o protagonismo da esquerda radical se ampliava em ritmo acelerado. Para uso externo, o petismo é contra a meritocracia, mas não no âmbito do serviço ao partido; naquela época, viagens a Cuba e cursos de Medicina em Havana reconheciam e premiavam a militância mais aguerrida e efetiva.
Então, fui a Havana. E voltei a ir. Escrevi o livro Cuba, A Tragédia da Utopia, sobre a revolução e sobre a ilha. Fui novamente em 2011. Depois disso, nunca mais voltei. Nem preciso. Pude observar na nossa própria história o passo a passo no rumo de uma tirania esquerdista. A tirania cubana iniciou com uma revolução, com sangue, e se firmou pelo cerceamento da liberdade e pela miséria que levou o povo à dependência total submissão ao Estado. A nossa começou pelo controle dos meios culturais.
Em Cuba, há um CDR (Comitê de Defesa da Revolução) em cada quarteirão do país controlando a vida de toda as famílias. Aqui, a tecnologia viabiliza algo bem mais eficiente no controle das redes sociais. O medo do Estado e a desproteção dos cidadãos são os mesmos, aqui e em Cuba.
Tenho até hoje gravada na retina a expressão fisionômica de duas pessoas que encontrei na rua em Havana e com quem conversei enquanto tomávamos um cafezinho na cafeteria do Hotel Inglaterra. A primeira era uma guia de turismo a quem apresentei uma lista com nomes de periodistas independentes que queria entrevistar. Ela fez uma expressão de horror, olhou à volta e foi embora. A segunda era um professor de medicina, católico. Quando lhe disse que havia telefonado para Oswaldo Payá, o principal dissidente cubano, meu entrevistado se levantou advertindo que eu certamente estava sendo seguido e implorou que não revelasse seu nome.
De fato, eu estava sendo seguido. No dia seguinte, enquanto almoçava no Il Gentiluomo com três dissidentes, dois policiais enormes, carregando uma imensa filmadora, entraram no restaurante, instalaram-na, apontaram-na para nós e nos filmaram durante alguns minutos. Então, senti em mim, o medo que transfigurou a fisionomia dos dois infelizes cidadãos da véspera, o medo de quem não tem defesa perante a mão pesada e o comportamento implacável, inquisitorial, do Estado. Experimentei o suor escorrendo frio. Saí dali e fui à embaixada pedir socorro. Para quantos brasileiros não é mais novidade saber que tudo em sua vida depende do arbítrio de alguém que lhe quer fazer mal?
O que descrevo não é um perigo iminente. É um dado da realidade.
Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Liberais e Conservadores.
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