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Acidente turístico
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
28/12/2006 | 20:44
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Borat Sagdyiev não é um turista acidental, definitivamente. Acidente turístico talvez lhe seja conceito mais cabível.

Natural do Cazaquistão, uma ex-república soviética com 15 milhões de habitantes, ele é um jornalista que recebeu de seu governo a missão de percorrer os Estados Unidos de costa a costa e apreender o que de melhor tem a oferecer o país das french fries e da Pamela Anderson. E voltar de lá com um documentário de foco cultural. Se fracassar, será executado pela polícia cazaque em praça pública. Afinal, quem diabos é Borat Sagdyiev?

Para início de prosa, ele não existe. Nada mais é que um personagem, criação do comediante londrino Sacha Baron Cohen, 35 anos, e protagonista do filme Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan (ao pé da letra, Borat: ensinamentos culturais dos Estados Unidos em benefício da gloriosa nação do Cazaquistão), com estréia no Brasil prevista para 16 de fevereiro. O longa-metragem, filiado ao mockumentary (pseudodocumentário, que maquia cenas ficcionais como se fossem registros documentais), virou sensação quando de sua estréia no exterior.

Sacha, o criador, devoto de Peter Sellers, bandeou para a comédia depois de se formar em história pela universidade de Cambridge (Inglaterra), elaborar uma tese sobre a influência judaica na reestruturação dos direitos civis nos Estados Unidos nos anos 60 e de aparecer como primo de Simon Baron Cohen, psiquiatra que tem desenvolvido teorias fundamentais para a compreensão do autismo nos últimos anos.

Borat, a criatura, teve como inspiração um médico russo do qual Sacha sequer lembra o nome. Só relata que o sujeito era hilário, dono de uma graça involuntária, a ponto de fazê-lo curvar-se em lágrimas. Tornou-se um dos personagens principais do comediante, que é assíduo na TV britânica e que no cinema já estrelou Ali G Indahouse (2002; disponível em DVD no Brasil), sobre um sujeito com quantidade de melanina igual à de uma porção de nata e metido a rapper, com um discurso de ativismo tão sofisticado que beira a pré-escolaridade.

Embora produto de ficção, Borat causou estragos no plano real. Ao insinuar que carros são movidos a tração animal nas ruas cazaques, que o anti-semitismo, a homofobia e a misoginia são traços culturais do povo e que o orgulho de sua família seria sua irmã, a quarta prostituta mais requisitada de uma nação onde (diz ele) prospera o mercado sexual e o incesto, o filme foi proibido na Rússia e, claro, no Cazaquistão.

Nos Estados Unidos, as repercussões de crítica e público foram favoráveis. Unânimes, não. Setores mais ortodoxos torceram o nariz para os inúmeros desafios ao conservadorismo que Borat protagoniza, entre eles a sátira ao ufanismo e ataques a uma hipocrisia étnica disfarçada de tolerância e à legislação ultra-restritiva.

Falta saber se Borat é anarquismo social, uma ode à incorreção política, violência gratuita a tudo que respira ou se é fruto de um universitário manhoso que cansou de estudar. E isso só o próximo 16 de fevereiro dirá.

Etiqueta e comportamento, por Borat Sagdyiev

Como fazer amigos nas ruas de Nova York?
Estenda a mão ao interlocutor. Caso este, desconfiado de que seja um assalto, recuse a aproximação, saia em disparada atrás dele pelas ruas. Com a mão sempre estendida, é claro.

E como fazer amigos em meios de transporte coletivo, como ônibus e metrô?
Para quebrar o gelo, nada melhor que libertar uma galinha no interior do veículo. Os gritos emitidos pelas damas e as testas franzidas dos cavalheiros, diante da penosa alforriada, são meros detalhes.

E como influenciar pessoas, sobretudo recepcionistas de hotel?
Arrie as calças até as coxas e deixe entrever o elástico da cueca, no melhor estilo borracheiro- fashion, para se misturar aos rappers da cidade. Assim, aparentará um habitante local e conseguirá ótimos leitos. Afinal, comunicação visual é tudo.

O que fazer para angariar a simpatia dos espectadores de um rodeio nos Estados Unidos, todos declaradamente republicanos e que colocam a foto de Ronald Reagan acima do retrato familiar na lareira?
Essa é fácil: entoe o Star Spangled Banner, o hino nacional norte-americano. E para demonstrar que não há fronteiras para a amizade, substitua os versos da composição, que exalta a nação norte-americana, por frases como “O Cazaquistão é o maior país do mundo”.

Como proceder em uma entrevista com lideranças de movimentos feministas?
Para conquistar a admiração delas, chegue sem volteios e diga que você leu em algum lugar que é cientificamente comprovado que o cérebro da mulher é menor que o do homem. É tiro e queda!

E, para finalizar, como se comportar em um jantar de boas-vindas patrocinado por importante político local?
Diga que todas as mulheres à mesa botariam em polvorosa os patrícios de sua terra. Menos a que casou com seu anfitrião, que na melhor das hipóteses dá para o gasto.




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