Cultura & Lazer Titulo
Violência lucrativa
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
05/07/2007 | 07:07
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Contrariando as convenções, o século XX na Colômbia durou não 100 anos, mas 59. E persiste ainda hoje, 2007. É com essa licença lírica que o jornalista e documentarista Ricardo Soares aborda o país latino-americano em Colombianos, documentário inédito que a TV Cultura exibe nesta quinta-feira, às 22h40.

Relatório audiovisual da violência sistemática que opõe o governo nacional e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Colombianos rastreia essa política de chumbo trocado e determina seu marco zero: o assassinato, em 9 de abril de 1948, do líder popular Jorge Eliécer Gaitán, cujos mandantes permanecem desconhecidos. Sua morte pôs em combustão a população, que unida a policiais amotinados promoveu uma série de atentados e saques, fato que ficou conhecido como El Bogotazo. Foi nesse dia que a Colômbia ingressou no século XX, conforme atestou poeticamente Gabriel García Márquez, mais famoso escritor nativo.

Do Bogotazo em diante, a violência com justificativas políticas grassou por um país que, nos últimos 30 anos, presenciou 500 mil mortes por armas de fogo.

Ricardo Soares promove uma investigação de como a violência foi alçada a instituição política na Colômbia. O chumbo que se vê onipresente nos acampamentos das Farc, visitados pelo jornalista, está no discurso do presidente Álvaro Uribe, um dos entrevistados de Soares – “A paz nasce da autoridade”. O mesmo narcotráfico alegado como receita principal dos guerrilheiros – que afirmam cobrar imposto dos abastados para não seqüestrá-los – é também apontado como fonte de renda dos paramilitares, a organização que se autoproclama instrumento de autodefesa do povo colombiano.

O documentário busca uma sintonia com todas as versões de um único fato: o estado de medo que tolda o país. Ouve o presidente com a mesma presteza que ouve líderes das Farc ou o homem que é atual cérebro dos paramilitares.

Abre o áudio também para intelectuais, com suas exegeses menos apaixonadas e imparciais. E, mais importante, para a população colombiana, que entende a guerra intestinal do país como um negócio lucrativo para ambas as partes envolvidas. Um povo que vê crescer nos centros urbanos o número de desplazados, pessoas que migram do campo para a cidade por medo de morrer. Uma gente que, apesar dos pesares, não perde o rebolado, conforme pontua a cena final de Colombianos.



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