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Ex-morador diz como foi festa do PCC
Celso Luiz e Cláudia Fernandes
Do Diário do Grande ABC
14/02/2007 | 22:40
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J. F.S. participou da festa no Morro do Samba, em Diadema. Naquele dezembro de 2005, antevéspera de Natal, ele ainda morava na favela considerada um dos pontos de tráfico mais quentes da cidade. J.F.S. ficou sabendo alguns dias antes que a firma ia dar uma festança no núcleo habitacional. A população estava ansiosa pela chegada do dia. No início da rua onde as pessoas se reuniram, uma grande faixa anunciava a firma – referência ao PCC (Primeiro Comando da Capital) – como financiadora do evento. Foi contratada uma banda que tocou a noite inteira e que fazia questão de dizer a todo momento que aquela festa só tinha sido possível por causa da firma. O apresentador frisava sempre que ali no núcleo não havia governo que entrasse. A família de J.F.S., assim como tantas outras famílias carentes, passaram pela festa naquela noite e comeram da carne e beberam do refrigerante e da cerveja paga pelo tráfico.

Em entrevista exclusiva ao Diário, o ex-morador do núcleo explicou com detalhes o que foi mostrado pelo vídeo transmitido pela TV Bandeirantes. A comida e a bebida acabaram logo, por volta das 21h30, segundo J.F.S.. Porém, a “branca” e a “preta”, como ele se refere à cocaína e à maconha, não faltaram. A fila para o consumo era grande. Os interessados, muitos viciados moradores da favela e outros convidados do comando do tráfico do morro, podiam cheirar carreiras de cocaína ou fumar grandes toras de maconha. Tudo liberado. Era só pegar a fila e esperar. Quantas vezes quisesse.

Nos 17 anos de existência do núcleo, J.F.S. diz nunca ter visto algo parecido. “O negócio estava bom para o tráfico naquele ano.” Os moradores aprovaram e participaram, apesar do medo que sentem no dia-a-dia da violência atraída pelas drogas. Naquela noite de festa, todos foram para a rua comer, beber e dançar, com a segurança de que a polícia não poria o pé ali.

O consumo de drogas era aberto. Ocorria ao lado das crianças e de seus pais. A bacia repleta com o pó branco de cocaína que desenhava a sigla PCC não era novidade para ninguém. Nem mesmo a overdose de um rapaz, mostrada no vídeo, interferia no sucesso da festa.

O comando do tráfico no Morro do Samba nunca temeu a polícia, segundo o ex-morador. Muito pelo contrário. Policiais civis são vistos pela população entrando na favela para pegar dinheiro com os traficantes. A cena, diz J.F.S., é freqüente e ocorre durante a noite. A palavra PCC, afirma, quase não é escutada dentro da favela. Porém, todos sabem que a liderança dali obedece o traficante Biroska, Edilson Borges Nogueira, que está preso na penitenciária de segurança máxima de Presidente Venceslau. E que ele comanda de dentro da cadeia todo o movimento do morro de Diadema. Firma é a palavra exata para expressar o significado do Primeiro Comando da Capital ali dentro. Os chefões do tráfico no morro nem sempre moram na favela. São contratados e vão trabalhar ali. Trabalham e vão embora. Como empregados de qualquer outro negócio. Em dezembro de 2005, o comando era outro, segundo J.F.S..

Em 2006, o ex-morador diz que a população respirou e andou pelas ruas do núcleo mais aliviada durante os 40 dias em que a Polícia Militar se instalou no morro, na chamada Operação Saturação, com a intenção de acabar com o tráfico por ali. Sentiam-se mais tranqüilos com a presença policial. Naquele momento, diz, o comércio das drogas acabou. PMs andavam com cachorros e cavalos pelas vielas urbanizadas do núcleo. Muita gente foi presa, mas J.F.S. afirma que os donos e gerentes das bocas permaneceram intactos. Os detidos eram pequenos dentro da hierarquia do poder no morro.

Promessas de instalação de um posto da PM dentro do núcleo foram feitas. Era o que a população torcia para ocorrer, mas que jamais se concretizaram. Foi só a polícia desarmar as barracas para o tráfico mandar de novo. O comércio no Morro do Samba é forte tanto com consumidores internos como com compradores que vêm de fora.

Propina - Desde que os PMs desocuparam o morro, a polícia não aparece por ali. Com exceção da presença dos policiais civis, velhos conhecidos dos traficantes. Na mesma época da festança regada à droga, um grafiteiro da comunide desenhou bandidos metralhando e assassinando PMs, além de escrever frases com apologia ao PCC. O grafite aparece no vídeo transmitido pela rede de televisão. Assim que a polícia descobriu o grafite, levou preso o autor da “obra” e mandou pintar de preto o muro, no início de janeiro de 2006. O que confirma a data em que o vídeo foi gravado, provavelmente por um cinegrafista amador da comunidade.

A Promotoria e a Polícia Militar prometem investigar os autores da festa e os presentes, por meio das imagens que duram cerca de uma hora. “Mas era tudo família. Não importava de onde tinha vindo o dinheiro. O pessoal queria mesmo era comer e beber de graça”, diz o ex-morador.

Desde que a TV Bandeirantes transmitiu o vídeo, a população e os traficantes em especial, esperam uma reação da polícia. Na segunda à noite, quando as imagens foram ao ar, terça-feira e quarta-feira nada havia acontecido. “Todo mundo está achando que o negócio está muito quieto e que a qualquer momento vai estourar alguma coisa. Está todo mundo receoso, mas ninguém fala muito. Ninguém quer se arriscar.”



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