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Cigarros eletrônicos ganham espaço em cenário antitabagista

Importação e venda dos dispositivos permanecem proibidas em todo Brasil; especialista diz que equipamentos causam dano à saúde

Joyce Cunha
Do Diário do Grande ABC
31/05/2022 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


Durante quase três décadas, Léo Paulino Barbosa, 52 anos, teve o cigarro como companhia. Começou a fumar na adolescência. A nicotina foi a porta de entrada para outras drogas: foi, por anos, usuário de cocaína, que o levou ao crack e ao alcoolismo. “A sociedade me mandou para esse lugar quando não me deu oportunidade, me excluiu por eu ser uma pessoa trans”, lembrou.

Mesmo diante dos desafios e do vício, Léo, que é morador de Santo André, venceu a dependência, batalha por batalha. Primeiro, em 2010, deixou o crack. No ano seguinte foi a vez do álcool e, por fim, parou de fumar cigarros. “O crack foi difícil. Enfrentei por cinco anos a abstinência. O tabaco não fazia falta. Era mais costume, uma coisa louca mesmo”.

Para Léo, a decisão de parar de fumar, há quase dez anos, sem o auxílio de tratamento ou de atendimento especializado de saúde, veio acompanhada de sentimento de liberdade. Hoje, ele conta como superou esta e outras dependências. “(Quando decidiu parar de fumar) Deixei o cigarro e o isqueiro no mesmo lugar por seis meses. Sabia que não podia deixar o cigarro me vencer”. 

Em parte dos casos, o primeiro contato com o tabaco acontece na juventude. Léo começou a fumar dentro da escola, aos 14 anos. “Era moda fumar nos anos 1980. As propagandas eram apelativas. Socialmente, trazia ar de autonomia. A gente fumava em todos os lugares, na escola, no avião”, recordou. 

Assim como acontece em todo o País, no Estado de São Paulo há tendência de queda no número de fumantes de cigarro. De acordo com dados da Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde, em 2021, 11,2% dos paulistas acima de 18 anos eram fumante. O índice representa queda em relação à primeira pesquisa sobre tabagismo aplicada pela Vigitel, em 2006, quanto 18,8% da população do Estado faziam uso do tabaco. Hoje é celebrado o Dia Mundial sem tabaco. 

Apesar dos indicadores positivos, nova tendência preocupa e coloca mais uma vez o cigarro na mira dos especialistas, dessa vez na forma dos chamados DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar). Aos 35 anos, Regina Celia dos Santos Vieira, de São Bernardo, trocou os tradicionais cigarros mentolados por sua versão eletrônica. “Meu primeiro contato foi com um pod descartável. Optei pelo cigarro eletrônico pela economia e praticidade, por não deixar gosto nem cheiro”, contou. 

Pod system, ou sistema de cápsula, na tradução para o português, é um mini cigarro eletrônico em que se insere líquidos, com opção de sabores, e funciona com pequena bateria. “Normalmente uso cigarro eletrônico no dia a dia, pois posso fumar dentro de casa. No trabalho também é muito prático”, disse Regina.

Há diferentes versões para este tipo de DEF, nenhuma liberada para importação e comercialização no Brasil. Ainda assim, em busca rápida pela Internet, é possível encontrar, com facilidade, os produtos à venda. Os anúncios prometem aparelho “excelente, prático e de fácil manuseio”. Os vendedores garantem que os pods foram desenvolvidos “para quem quer parar de fumar”, além de informar que cigarros eletrônicos são forma mais “saudável” e “segura”. 

Especialistas contestam as propagandas. “Não se iludam. Não existe forma segura do uso do tabaco. Se joga até mesmo com a ideia de que ajudam a parar de fumar, mas isso não é verdade”, avaliou o pneumologista e professor da Faculdade de Medicina do ABC, Elie Fiss. 

A Pense 2019 (Pesquisa Nacional de Saúde Escolar), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em parceria com o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, aponta que, em escolas públicas e particulares do Estado de São Paulo, entre alunos com idade de 13 a 17 anos, 45,5% dos entrevistados já fumou, pelo menos uma vez, narguilé. Cigarros eletrônicos registram 20,5% de uso por adolescentes e jovens da faixa etária, enquanto 25% dos estudantes disseram já ter fumado o cigarro tradicional de tabaco. 

“O consumo entre jovens vem aumentando. É a mesma coisa que acontecia nos anos 1970 e 1980 com o cigarro (tradicional). Fica aquela coisa do jovem, que mesmo sem propaganda vemos absolutamente difundida. A indústria do tabaco sempre encontra uma forma de vender de novo. Um novo apelo”, afirmou Fiss.

Assim como aconteceu com Léo, lá em 2012, Regina Celia considera os riscos e pensa em parar. “Pretendo, em breve, dar início a esse processo. Já reduzi a frequência do uso”, disse. 

Cidades da região ofertam serviços contra o tabagismo

No Grande ABC, as prefeituras oferecem aos moradores serviços gratuitos voltados à luta contra o tabagismo. Neste ano, entre janeiro e maio, cerca de 3.100 pessoas buscaram orientações e apoio contra a dependência em unidades de saúde de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema. A administração de Ribeirão Pires informou não disponibilizar serviço específico para o tratamento de tabagismo. Já as prefeituras de Mauá e Rio Grande da Serra não responderam aos questionamentos enviados pelo Diário.

Santo André informou que atende, todos os anos, em média, 5.000 pacientes nos Caps (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) e nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde).

O município realiza a dispensação de medicamentos e promovem orientações em grupos com equipe multiprofissionais. Na saúde bucal, há avaliação de todos os cidadãos que passam por atendimento odontológico, para a prevenção do câncer de boca. 

A Prefeitura de São Bernardo forneceu dados de 2019, quando o Programa Municipal de Combate ao Tabagismo atendeu 1.800 moradores. As UBSs da cidade promovem hoje, Dia Mundial Sem Tabaco, ações educativas nas salas de espera. 

Em Diadema, as atividades em grupo desenvolvidas em 15 UBSs foram retomadas neste ano e atendem, atualmente, 170 moradores. São Caetano também mantém iniciativa antitabagismo nas UBSs e no Caps, com 114 pacientes inscritos entre janeiro e maio. 

Além da abordagem com o cigarro convencional, os municípios já disponibilizam orientações e ações específicas para auxiliar quem quer deixar de usar cigarros eletrônicos, serviço disponível nas unidades de saúde de Santo André e Diadema. 

Desde 2019, o Inca (Instituto Nacional de Câncer José de Alencar) alerta para os riscos do uso de DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar). Entre os agravos à saúde já identificados pelo uso de cigarros eletrônicos e narguiles está a Evali (Epidemia da Doença Pulmonar Associada ao Uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar, na tradução para o português). 

“Não se fala muito sobre os riscos do uso dos cigarros eletrônicos, que podem trazer problemas para a saúde no futuro. Ainda não vemos muitos casos no Brasil, mas na literatura e em países como os Estados Unidos, os problemas vêm aparecendo cada vez mais”, concluiu o pneumologista e professor da Faculdade de Medicina do ABC, Elie Fiss. 




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