Setecidades Titulo Extrema pobreza
No Grande ABC, 87 mil moradores vivem com menos de R$ 3 por dia

Número de pessoas que vivem na extrema pobreza subiu 9,3% desde setembro de 2020

Yasmin Assagra
Do Diário do Grande ABC
25/04/2021 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


No Parque São Bernardo, em São Bernardo, uma escadaria ao fim da Rua Manduba chega à casa da desempregada Karla Alexandrino, 25 anos, e seus quatro filhos, Emily, 1, Angeline, 7, Laura, 6, e Ryan, 9. O acesso à residência, feita de tapume de madeira, é difícil e piora quando chove, pois a lama toma conta da maior parte da entrada. Essa situação se assemelha à realidade de 87.191 pessoas que vivem na extrema pobreza na região, sobrevivendo com até R$ 89 por mês – R$ 2,96 por dia –, segundo dados do Ministério da Cidadania. Esse número subiu em 9,3% em relação a setembro de 2020, quando levantamento do Diário mostrou que 79.785 pessoas estavam nesta situação.

As 87.191 pessoas do Grande ABC listadas pelo Cadastro Único representam 3,1% dos 2.807.712 habitantes das sete cidades, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2020 – confira dados completos por cidade ao lado.

Na vida de Karla os obstáculos ficaram quase que intransponíveis com a pandemia. Ela recebe cerca de R$ 400 por mês pelo Bolsa Família – programa de transferência condicionada de renda que beneficia famílias pobres e extremamente pobres, inscritas no Cadastro Único – e o valor dividido por ela e os quatro filhos é de cerca de R$ 80 per capita. Antes da crise sanitária, mesmo com dificuldade, completava a renda com “bicos”, mas agora não consegue mais trabalhar. “Faço bico de pedreiro quando aparece. Já fazia e costumava aparecer bastante, agora piorou de uma tal forma que só por Deus”, ressalta.

Quando surge a oportunidade, por dia, Karla tira R$ 70, que acrescenta na renda da casa. Atualmente, a família também recebe R$ 85 do cartão merenda, benefício oferecido pela Prefeitura de São Bernardo para suprir a falta da merenda escolar com as escolas municipais fechadas.

“Meu principal sonho é morar em uma casa que não entre água e que não tenha ratos e baratas”, retrata Karla, que luta todos os dias para colocar comida dentro da geladeira, que nos últimos dias não tem praticamente nada.

A história de Karla é similar a de diversas pessoas da mesma comunidade. Uma é Jaqueline Lima, 27, que recebe R$ 350 por mês do Bolsa Família, que têm de garantir a sobrevivência dela e seus três filhos pequenos, além do que está em sua barriga, já que está grávida de quatro meses.

“Atualmente, não sei dizer qual meu medo. Temos medo da Covid, de passar fome e medo de as casas desmoronarem”, comenta Jaqueline, “Infelizmente, quando vejo que falta comida em casa, saio pedindo para vizinhos de bairros e conhecidos. Criança em casa é difícil, eles pedem mais por comida e como vou falar que não tenho?”, lamenta.

BOLSA FAMÍLIA
Ainda de acordo com informações do Ministério da Cidadania, conforme a última atualização de março, o PBF (Programa Bolsa Família) beneficia 86.811 famílias do Grande ABC, sendo 23.787 em Santo André, 26.726 em São Bernardo, 1.329 em São Caetano, 19.276 em Diadema, 9.316 em Mauá, 4.124 em Ribeirão Pires e 2.253 em Rio Grande da Serra.

Especialista pede auxílio do governo

Professor de políticas públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC), Ivan Fernandes observa que os efeitos da pandemia causam “problemas prolongados”, principalmente em ambientes com famílias em situação de vulnerabilidade. O especialista lembra que, em junho do ano passado, o auxílio emergencial, concedido pelo governo federal, ajudou a melhorar o cenário, mas com o fim do benefício a situação piorou.

“O programa, em si, foi generoso nos primeiros meses. Depois, começou a ficar mais controlado até iniciar ações de expulsão de algumas famílias (que não se enquadravam nas regras). Assim, a continuação do auxílio ficou abaixo do esperado, pois não conseguiram manter nível de proteção, assim, a situação de vulnerabilidade ficou exacerbada”, observa.

Para o especialista, era necessário que as prefeituras desenhassem programas estratégicos que chegassem “com efetividade” nessas famílias. “O ideal era que esse programa já estivesse em vigor antes mesmo da pandemia, até porque, agora é difícil iniciar essas ações diante da Covid”, detalha. “Os grupos mais vulneráveis não podem fazer o isolamento correto. As condições não permitem, então, é, literalmente, desafio de sobrevivência”, completa Fernandes.

As famílias do Parque São Bernardo recebem ajuda da ONG (Organização Não Governamental) Renascer Progredir. Quem quiser ajudar, basta entrar em contato pelo Facebook com o nome da instituição ou pelo telefone 9 9698-1898.

NA REGIÃO
No Grande ABC, as cidades tentam incluir essas famílias em benefícios sociais, como o Bolsa Família e o BPC (Benefício de Prestação Continuada). O caminho indicado pelas administrações municipais é por meio do Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e, conforme a demanda de cada família, a assistência da cidade encaminha aos serviços. Em paralelo, as administrações se mobilizaram em prol da arrecadação e distribuição de alimentos.  




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