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Dimas Ramalho: 'O TCE está se antecipando aos erros dos gestores’
Junior Carvalho
Do Diário do Grande ABC
28/10/2019 | 07:00
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Divulgação


Conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Dimas Ramalho falou ao Diário sobre ações feitas pela corte para evitar erros na administração pública. “O que nós estamos fazendo nesse momento, para antecipar erros, é capacitar as pessoas, com curso sobre licitações, capacitação para que os funcionários saibam exercer sua profissão, que os gestores tenham uma boa assessoria. Nossa ideia principal é ser pedagógico, orientar as pessoas antes que aconteça. Fazemos fiscalização concomitante ao gasto. A despesa está sendo feita e a gente está acompanhando. Estamos vendo em cima da hora. Acompanhamento das contas no momento em que elas estão sendo realizadas.”

Um dos principais problemas financeiros das prefeituras é o volume de gastos com pessoal. Isso se deve exclusivamente à contratação excessiva de comissionados?
Nesse momento, eu converso com os órgãos públicos, como câmaras e prefeituras. Não é hora de contratar. Você tem de ver o mundo real, a partir da sua casa. Na sua casa você está aumentando gastos no atual momento? Não está. Não conheço ninguém que está. O momento econômico e político do País é de cautela, de espera, de transição. Então, não é hora de aumentar o número de cargos. É hora de ter comedimento em contratação de cargos de confiança. 

No caso específico das prefeituras, a saída, então, seria apenas a redução dos comissionados?
O que precisa é que as prefeituras evitem chegar ao limite. Se você tiver o mínimo de cargos de confiança, já ajuda. Bom, mas quem vai ver isso? É o gestor, quem foi eleito para isso. O Tribunal de Contas não pode dizer faça assim ou faça assado. Eu não tenho o número exato, mas o gestor sabe o que é importante para ele. Então, ele tem que ter essa sensibilidade. Ele sabe quando tem mais e quando não tem. E ele vai prestar esclarecimentos para a população, para a imprensa, para o eleitor, para os órgãos de controle externo, que somos nós e o Ministério Público, mas sobretudo para a população, que vai falar: ‘Exagerou’, ou não.

No caso das câmaras, há um debate de que é necessário criar um critério, como o de equilibrar a quantidade de comissionados ao número de habitantes da cidade. É necessário estabelecer esse critério?
Não, não é necessário. É engraçado, se você interfere, dizem que o TCE interfere muito. Se não interfere, dizem que o Tribunal precisa interferir para apresentar critério. No Brasil as pessoas querem saber por outro poder. O TCE é importante? Sim, mas é um poder. Tem o MP, tem o Judiciário, tem o Legislativo, tem a defensoria, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Quem é responsável pela Câmara e pela prefeitura são as pessoas que foram eleitas para isso. Elas que devem ter o critério de razoabilidade, saber do tamanho do município, da sua população, as carências do povo, o que precisa, quais são as necessidades. Você sabe se precisa de um assessor para cuidar de uma área ou de outra.

Como colocar isso na prática, já que muitos cargos de confiança são usados como cabide de emprego?
Aí a avaliação é do gestor, ele que faça. Porque hoje, mesmo que você tenha, nesse momento político em que vivemos, em que há uma má vontade com a política, se você tiver um assessor, é capaz de você receber uma crítica. E isso é normal, você tem de superar mostrando que tem um bom trabalho e que precisa de uma assessoria boa, para não errar. O Tribunal, quando recebe uma denúncia, vai verificar se a pessoa trabalha, qual sua função, que título que ela exerce, qual a graduação dela. A partir daí ele emite o parecer.

Mas não fica subjetivo deixar na mão do gestor essa responsabilidade?
Mas é subjetivo, do gestor. Ele que assuma, perante a Câmara, perante os órgãos de controle e perante o eleitorado. Ele que responda para a imprensa que precisa de um, dois, cinco ou seis assessores. Eu fui parlamentar muito tempo, sempre discuti, preciso de ‘X’ assessores, ou não. Então, o número de assessores é uma questão que passa necessariamente pela avaliação política da Câmara. Eles foram eleitos para isso, eles têm de ver habitantes, orçamento, IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município, as suas carências, quanto gastou naquele ano do duodécimo, se foi suficiente ou não, que tipo de atividade faz o assessor. Essa é uma questão política que cabe ao político fazer esse juízo. Eu não posso chegar para o vereador e falar: ‘Este seu assessor não preenche as condições’. Ele tem de saber. Eu vou ver a questão formal. O critério é razoabilidade. Até porque, o vereador ele vai ter de responder para a comunidade o seu papel.

Há agentes públicos que reclamam que falta sensibilidade do TCE ao analisar os gastos de uma gestão e não levar em consideração o momento econômico que registra queda acentuada de arrecadação...
O TCE segue a lei. Nós não fazemos leis. Mesmo que quando a gente entende que determinado momento econômico não está bom, eu não posso mudar a lei. Preciso analisar se há o investimento mínimo constitucional em saúde, educação, questão de precatórios, a questão dos cargos. Quando eu escuto uma crítica de que falta sensibilidade do TCE ao analisar uma conta da prefeitura, ele tem de cumprir a lei. E ele sabe que tem de cumprir a lei. Isso é como dizer: ‘Olha, a pessoa faz coisa errada porque é pobre’ ou ‘a pessoa vai furtar porque está passando fome’. Mas não pode, tem de ter critérios. O que nós estamos fazendo nesse momento, para antecipar erros, é capacitar as pessoas, com curso sobre licitações, capacitação para que os funcionários saibam exercer sua profissão, que os gestores tenham uma boa assessoria. Dentro de uma legislação, você tem uma abertura para analisar as contas sobre o ponto de vista da conjuntura, mas ele tem de cumprir os índices constitucionais. Se não cumprir, a lei manda rejeitar as contas.

A revisão do pacto federativo, como os mínimos constitucionais, é uma alternativa?
Rever o pacto federativo, fazer reforma tributária, reforma política, isso aí demorou já. Isso vai caminhar no Congresso Nacional. Enquanto isso, estamos fazendo essas capacitações, orientações para os prefeitos, audiências por Skype, chamar as pessoas lá. O tempo inteiro estamos reciclado os funcionários públicos. Nossa ideia principal é ser pedagógico, orientar as pessoas antes que aconteça. Fazemos fiscalização concomitante ao gasto. A despesa está sendo feita e a gente está acompanhando. Hoje estamos vendo em cima da hora. Acompanhamento da conta no momento que ela está sendo realizada.

Como garantir a lisura de processos licitatórios?
Temos um instituto que é o controle prévio de editais. Qualquer pessoa que vê um edital e não concorda, pode representar, a gente analisa e para o edital porque está restritivo, ou então porque contém muitas exigências específicas. Ou seja, há um controle prévio. Isso é muito importante para evitar que o administrador erre, às vezes por questão formal, ou porque não teve preocupação e, às vezes, também porque queria errar. Quando a gente enxerga o dolo, mandamos para o MP, porque não podemos avançar para a seara criminal.

Como evitar que isso não seja usado como ferramenta política e paralise licitações de serviços essenciais?
A democracia pressupõe que a pessoa não quer prejudicar o outro. Eu não meço a pessoa achando que ela está sempre errada porque ela quer prejudicar. Se ela entende que aquele edital deve ser paralisado, ela representa. Eu não faço análise pregressa de quem representa. Quando eu pego um táxi, eu não peço a carteira de habilitação do motorista e pergunto em qual autoescola ele a tirou, se comprou ou não o documento. Agora, é evidente que, se uma pessoa faz uma representação, paralisa edital e depois entra novamente, você percebe que há princípio de má-fé, você toma providências.

Como o senhor analisa hoje a Lei de Acesso à Informação?
Cumprir a lei de transparência. Como dizia o Arnaldo Cezar Coelho: ‘A regra é clara!’ Tudo o que você compra, tudo o que você faz, tudo o que você licita, todo o seu salário: internet! Como nós fazemos. Tem gente que até hoje tem dificuldades de colocar salário na internet. Tem que pôr o salário na internet. As pessoas têm de saber quanto você ganha. Alguns vão falar que é muito, outros que não é. E quando você mostra acaba o segredo, acaba a graça. Isso inclui colocar salários, diárias de viagens, passagens aéreas. Eu sou defensor da transparência total. A pessoa tem de acessar, e sem grande dificuldades. Não tem de ser igual aquele joguinho que meus filhos jogavam: pega a bolinha, passa o peixinho, vai para cima, volta, deixa o RG, deixa seu CIC, deixa seu endereço. Não, isso não. Tem que facilitar.

Acha que hoje está assim?
Ainda não. Mas melhorou muito já. Isso é constitucional e é uma questão irreversível, é como o cinto de segurança, capacete, a Lei Antifumo. A abertura dos dados é irreversível e eu, como conselheiro, exijo isso sempre. 

O senhor já foi deputado federal e hoje é conselheiro do TCE. Como convencer a sociedade de que sua atuação é técnica?
Eu também fui político. Mas eu não tenho nada contra a política. O que define o mundo é a política. É boa política, democrática, que significa voto e respeito à Constituição. Quando você vai para o TCE, você passa pelo julgamento da Assembleia. Esse é o sistema de freios e contrapesos. Tem um filtro muito grande. Como convencer? Com o seu trabalho, com a fiscalização.

Como o senhor analisa a Lava Jato, que foi responsável por prender políticos e empresários graúdos, mas hoje passa por questionamentos devido acusações de conluio entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol?
A Lava Jato tem ganhos surpreendentes para o Brasil, foi a maior investigação da história do País. Eu defendo a Lava Jato e os avanços que ela teve. Pela primeira vez na vida, gente rica foi para a cadeia, o corruptor e o corrupto foram presos. É só ver quem está preso. Bilhões voltaram para os cofres públicos. Então, a operação foi e é importante.

Mas o senhor acredita que vale tudo para prender?
Nada vale tudo. Você não pode cometer um ato ilícito para combater outro. Evidente que não. Isso é constitucional, como no caso do excludente de ilicitude. Por isso que as pessoas têm de ter moderação no que fazem. Respondendo objetivamente: é possível um juiz combinar com o promotor e advogado? Não. Um erro não justifica o outro. Mas por conta disso não posso apagar os avanços da Lava Jato. Arranha um pouquinho, sim. Mas os avanços não comprometem.

RAIO X
Nome: Dimas Eduardo Ramalho
Estado civil: Casado, tem dois filhos
Idade: 65 anos
Local de nascimento: Taquaritinga, radicado em Araraquara
Formação: Direito
Hobby: Esportes, leitura e tudo o que diz respeito à cultura
Livro predileto: Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marques)
Profissão: Conselheiro do TCE-SP
Onde trabalha: TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo)




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