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MAC expoe parte de seu acervo na Galeria do Sesi
Do Diário do Grande ABC
26/04/1999 | 15:21
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A mostra que será inaugurada terça-feira à noite no prédio da Federaçao das Indústrias do Estado de Sao Paulo (Fiesp) tem um duplo mérito: mostrar ao público um rico conjunto de mais de 200 obras-primas pertencentes ao Museu de Arte Contemporânea (MAC) e colocar em evidência um dos mais importantes acervos de arte do país. Intitulada O Brasil no Século da Arte, a exposiçao procura romper a linha invisível que sempre dividiu a coleçao em dois blocos distintos, deixando de um lado as obras de autores brasileiros e de outro as de artistas internacionais.

Assim, convivem lado a lado pinturas de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Miró, Morandi, Pancetti e Picasso. A lista de estrelas nacionais e internacionais é longa já que ao todo estao representados 150 artistas na mostra, traçando uma espécie de linha do tempo da história da arte deste século, sem se preocupar com hierarquias internas à seleçao e fugindo das leituras historiográficas preconcebidas.

"Cada obra vale por si", destaca José Teixeira Coelho, diretor do MAC e que responde pela curadoria da mostra com Martin Grossman. O único critério de disposiçao das obras foi o cronológico, com algumas exceçoes sutis, para reunir temas ou estilos que estivessem próximos no tempo, mas nao necessariamente vizinhos nessa linha da história da arte deste século.

Há algum tempo, os curadores vinham buscando aprimorar um novo conceito de exposiçao para o acervo do MAC, com o intuito de montar uma mostra permanente mais representativa e atraente - a última exibiçao de acervo em cartaz no MAC reunia apenas 107 obras -, mas sua execuçao ainda nao havia sido colocada em prática por causa dos problemas relacionados ao espaço físico do museu, que possui três prédios, mas nenhum deles é adequado a sua funçao.

O convite da Fiesp veio a calhar e a coleçao, que normalmente fica pouco acessível dentro da cidade universitária, poderá encontrar todo o seu brilho em plena Avenida Paulista. Anualmente, o MAC da Cidade Universitária recebe cerca de 100 mil visitantes. O número poderia ser considerado razoável, nao fosse o fato de três vezes mais pessoas visitarem o Butanta ou o Museu Paulista (mais conhecido como Ipiranga). Já a galeria do Sesi chega a receber 400 pessoas por dia. "A coleçao do MAC terá uma evidência como jamais teve", comemora seu diretor.

Uma das conseqüências mais interessantes de se abandonar uma linha ou tema curatorial que pudesse imobilizar a exposiçao é o destaque que adquirem as obras de autores nacionais. Ao contrário do que muitos afirmam, Teixeira Coelho nao acredita que a arte brasileira sempre tenha estado a reboque do que ocorria no exterior. É verdade que Tarsila aprendeu muito com Léger. "Mas também veremos como ela rompe com o modelo predominante em sua época", explica o curador. "É uma aposta, mas tenho a impressao de que a produçao brasileira vai ganhar destaque", acrescenta ele, lembrando que "a arte sempre foi internacionalista, principalmente a moderna".

Ele e Grossman nao acreditam que esse destaque se deva apenas à enorme qualidade da coleçao brasileira pertencente ao MAC, pois o museu também tem uma rica coleçao de arte internacional, principalmente européia, da primeira metade do século, e sao inúmeros os pedidos de empréstimo que recebe de museus de todas as partes do mundo. O fato de a exposiçao evitar colocar os artistas em guetos, agrupando modernistas, construtivistas e outros "istas" em núcleos estanques, permite que o público estabeleça conexoes diferentes daquelas que sempre contrapoem - e portanto associam - Portinari a Di Cavalcanti, por exemplo. E também acaba com a idéia de que a história da arte é uma sucessao bem definida de escolas e estilos. "Olhando retrospectivamente você vê que os artistas têm muito mais liberdade do que a crítica parece indicar", constata Teixeira Coelho.

Um exemplo dessa diversidade sao as duas obras de Serpa presentes na exposiçao. Uma delas possui o rigor construtivo com o qual o artista é identificado, mas a outra é de um "expressionismo berrante" e foi pintada na década de 60. Entre as centenas de atraçoes do acervo estao O Enigma de um Dia, do metafísico Giorgio De Chirico, trazida ao Brasil em 1920; um auto-retrato de Modigliani; e a gravura A Santa Luz Interior de Paul Klee, que tem como curiosidade extra o fato de ter sido exposta na exposiçao "Arte Degenerada", realizada pelos nazistas alemaes para mostrar ao povo o antiexemplo da pintura corrompida dos modernistas.

A exposiçao começa com Paisagem, quadro pintado em 1906 pelo futurista italiano Giacomo Balla, no qual se vê uma cena de floresta, com uma mulher e uma criança quase indistinguíveis no meio da composiçao. E segue até os últimos anos do século, passando por quase todos os movimentos de destaque desse período, até ser encerrada pela instalaçao O Paradoxo do Santo, de Regina Silveira. Essa obra simboliza a força ainda maior que a arte brasileira veio adquirindo no acervo do MAC a partir da década de 70, já que nos últimos tempos o crescimento da coleçao se deu principalmente por causa das doaçoes dos próprios artistas. "Graças a essas iniciativas nós possuímos 150 a 200 gravuras de Renina Katz, ou 200 desenhos de Di Cavalcanti", ressalta Grossman.

Liberdade - Segundo Teixeira Coelho, essa montagem sem entraves, que respeita apenas a sucessao no tempo, tem como principal vantagem deixar evidente a liberdade de criaçao do artista e de percepçao do público. Apesar de acreditar que alguns podem sentir-se incomodados por essa falta de parâmetros pré-definidos - "fomos educados a buscar a ordem e a unidade em que elas nao existem" -, ele acha que isso é uma forma de "convidar as pessoas a estabelecer novas formas de visao".

Além de realizar interessantes contraposiçoes, como colocar lado a lado obras de Marcel Duchamp, Victor Vasarely, Fernand Léger e Júlio Plaza - ou situar Tarsila ao lado de seus mestres Albert Gleizes e George Braque -, os organizadores também nao se limitaram a definir a participaçao dos artistas a apenas uma obra, mas sim ampliar ao máximo essa representaçao quando o acervo permitisse.

"Se temos dois Morandis maravilhosos, porque nao mostrá-los", afirma Grossman. Só de DeChirico estao representadas cinco obras, de diferentes períodos: além de O Enigma de um Dia (1914) estao na exposiçao Cavalos à Beira-Mar (1923), Natureza-Morta (1940), Gladiadores(1935) e Gladiadores com Seus Troféus (1927). Volpi também está presente com o mesmo número de telas.

Infelizmente, algumas obras importantes do acervo do MAC nao puderam ser exibidas na mostra, por estarem muito frágeis para serem transportadas. É o caso, por exemplo, das esculturas de Maria Martins e César (cuja obra pode ser vista atualmente na retrospectiva em cartaz no MuBE). Mesmo sem essas obras, a seleçao de trabalhos que compoem essa espécie de núcleo central da coleçao do MAC é fortemente marcada pela presença de obras bidimensionais.

Apenas oito esculturas foram selecionadas, entre elas a antológica Unidade Tripartite, de Max Bill, vencedora do grande prêmio da 1.ª Bienal de Sao Paulo, em 1951. Aliás, é o parentesco com a Bienal que garantiu ao MAC boa parte da riqueza de seu acervo, já que até meados dos anos 60 todas as obras que recebiam prêmios-aquisiçao na mostra internacional eram encaminhadas ao museu.




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