Política Titulo Bancada ativista
A ‘sétima deputada’ do Grande ABC

Novidade na Assembleia Legislativa de S.Paulo, mandato compartilhado é integrado por ativista indígena de Mauá, chamada de co-parlamentar

Júnior Carvalho
Do Diário do Grande ABC
26/12/2019 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


No fim de setembro, incêndio atingiu aldeia localizada no Jaraguá, na zona Norte da Capital, e destruiu casas de famílias indígenas que ali moravam. O acidente poderia sequer ter sido citado no plenário da Assembleia Legislativa, mas foi tema central de discurso da deputada estadual Mônica da Bancada Ativista (Psol), que compartilha o mandato com mais sete pessoas, autodenominadas ‘co-deputados’.

Na ocasião, Mônica discursou, mas boa parte do tempo de fala foi transferido para Chirley Pankará (Psol), 45 anos, ativista dos direitos dos povos indígenas, de Mauá, e que é uma das chamadas co-parlamentares. Por motivos legais – a lei eleitoral e o regimento interno da Assembleia reconhecem apenas o mandato individual – Mônica é quem tem o direito de entrar no plenário e usar a tribuna. Neste caso, o lugar de fala da causa indígena, representada por Chirley, foi assegurado por meio de vídeo gravado pela indígena no gabinete e transmitido durante o tempo em que Mônica teve direito. É com essa brecha regimental que os co-deputados buscam que cada um da bancada levem sua agenda política ao parlamento e pautem os temas dos quais defendem.

Novidade no Legislativo paulista, o mandato compartilhado não é regulamentado pela legislação. Embora todos se considerem parlamentares eleitos, a divisão do cargo e a tomada de decisões coletivas é feita informalmente entre o grupo. No pleito de 2018, Mônica foi quem representou a bancada na urna, registrada em uma candidatura tradicional, só com sua foto e seus dados pessoais e um único número partidário.

No dia a dia do mandato, porém, a regra é debater todas as pautas e decidir coletivamente entre Mônica Seixas, Chirley, Claudia Visoni, Erika Hilton, Fernando Ferrari, Jesus dos Santos, Paula Aparecida e Raquel Marques. Cada um representa uma causa social. Nem todos, inclusive, são do Psol. Claudia é da Rede. Eram nove pessoas no começo, mas uma delas, Anne Rammi, deixou o grupo por “motivos pessoais”.

O compartilhamento do mandato é alternativa para garantir espaço político na Assembleia a várias vozes políticas, explica Mônica, ao Diário. “A instituição política é toda formatada para a não participação popular. A democracia brasileira possibilita a eleição de messias e gurus, em uma cultura aristocrática, que faz com que a gente eleja (políticos com) títulos de doutores, empresários. Além disso, as campanhas são caras e beneficiam apenas quem tem mais dinheiro.”

Este formato permitiu que Chirley, pernambucana moradora de Mauá, representasse a região e os povos indígenas no parlamento. É como se a ativista fosse a ‘sétima deputada’ do Grande ABC, bancada composta por Carla Morando (PSDB), Coronel Nishikawa (PSL), Luiz Fernando Teixeira (PT), Teonilio Barba (PT), todos de São Bernardo; Thiago Auricchio (PL), de São Caetano; e Márcio da Farmácia (Podemos), de Diadema. “Quando há uma questão da causa indígena que eu preciso que seja levada ao plenário, gravo um vídeo e a Mônica transmite. Não tenho acesso ao plenário fisicamente, mas eu entro (por meio do vídeo)”, alega Chirley.

Militante da causa indígena há anos, Chirley e suas filhas já foram personagens de matérias do Diário, no passado, sobre o tema. “Por conta da minha militância me procuraram para entrar no mandato coletivo. Eu falei: ‘minha gente, o que é isso?’. Nunca tinha ouvido falar (na divisão do mandato). Até pensei: ‘Será que isso existe?’. No começo fiquei assustada e toda vez que marcavam reuniões eu não ia, até que me cobraram participação. Então, eu decidi: ‘Eu vou, nem que seja para aprender’”.

ESTRUTURA
Além da divisão das pautas legislativas, como a escolha de emendas, a atuação nas comissões e a preparação de discursos, as estruturas física e financeira do mandato também são compartilhadas. “Tudo é dividido em partes iguais. Se tem verba de gabinete, é dividido. Também dividimos o carro oficial. Cada um tem direito a três dias e meio (ao uso do veículo). A gente marca (a data que vai precisar do carro) para não atrapalhar um ao outro. E quando o carro está sendo usado, vou de Uber ou de trem para as atividades”, diz Chirley.

Também por limites legais, Mônica é quem recebe o salário individual de parlamentar, de R$ 25,3 mil. Os demais integrantes são nomeados como assessores do mandato, com remuneração em torno de R$ 10.000 por mês. Mônica afirma que, na prática, todos ganham o mesmo subsídio, mas como ela recebe mais, a diferença para os demais é usada em favor do gabinete. “Uma vez precisávamos fazer uma reforma no gabinete, porque achávamos que todos os co-deputados deveriam ter espaço garantido, e foi com esse dinheiro que custeamos.”

Na região, movimentos sociais ligados a partidos de esquerda se mobilizam para copiar a experiência do mandato coletivo na disputa de 2020 por cadeiras nas Câmaras. 




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