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Aumenta legião de fiéis do Islã
Fábio Berlinga
Do Diário do Grande ABC
30/09/2006 | 19:06
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A grande exposição, mesmo que negativa, do Islã, principalmente após os atentados de 11 de setembro em 2001 ao World Trade Center, em Nova York, contribuiu para o crescimento da religião entre os não-muçulmanos. É o que acredita o xeque Ali Abdune, presidente no Brasil da Wamy (Associação Mundial da Juventude Islâmica) e da mesquita de São Bernardo,

Com 1,3 bilhão de fiéis em todo o mundo, apenas nos Estados Unidos, a legião de seguidores aumentou cerca de 3 milhões nos últimos cinco anos. No Brasil, o xeque afirma serem 1,5 milhão de muçulmanos. Destes, 700 estão no Estado de São Paulo. Cerca de 300 famílias muçulmanas moram em São Bernardo. Apesar de não ter números, o xeque diz que é visível o aumento de interesse do jovem pela religião. Inclusive de pessoas que freqüentam a mesquita da cidade, mas que não têm origem muçulmana.

“Nós temos um site em língua portuguesa sobre a religião muçulmana. Ali centenas de pessoas de não-muçulmanos entram querendo mais informações sobre o Islã. Muitas acabam aderindo”, explica Abdune.

A expansão do universo muçulmano e a adaptação dos convertidos às leis do Islã foram alguns dos assuntos da entrevista exclusiva do xeque Abdune ao Diário, concedida no escritório da Wamy, em São Bernardo.

Ele falou também sobre o mês do Ramadã (setembro), período sagrado para os mulçumanos. Mês que o profeta Maomé teria recebido de Deus os versos do Alcorão. Durante setembro, os muçulmanos, desde o nascer ao pôr-do-sol, não podem comer, beber ou praticar sexo. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

DIÁRIO – Para os não-muçulmanos, o Islã é marcado por dois estigmas: o fanatismo e a violência. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Ali Abdune – A religião muçulmana veio para que as pessoas sigam a paz, o equilíbrio. Então a pessoa que seguir as leis do Alcorão, que vieram através do profeta Mohamed (Maomé, em árabe) estará seguindo o equilíbrio e não o fanatismo ou o extremismo. O fanatismo surge quando as pessoas se afastam das leis de Deus.

DIÁRIO – Onde é que o fanatismo entra nessa questão da violência? O senhor acredita que ele tem influência nisso?
Ali Abdune – Olha, se tem, tem muito pouco. Agora o que é passado para nós, através da mídia, é que todo o Islã é fanático; todos muçulmanos são fanáticos. Só que, na realidade, é o contrário; é a minoria. Agora em relação à violência, à guerra, temos de saber o que motivou aquilo e também o que que levou a esses extremistas a serem extremistas. Quem provocou a guerra no Iraque? A guerra no Afeganistão? Com certeza que não foram os muçulmanos. Agora, tem ali as pessoas que se defendem e isso é natural. Todo país tem o seu exército; todo país tem as suas armas; todo país tem. No Iraque, entraram procurando armas químicas e não encontraram. Quando descobriram isso – o que, na verdade eles já sabiam desde o início –, disseram que Saddam Hussein estava cometendo massacres. Tudo bem, capturaram o Saddam. Só que não saíram mais do Iraque. E a violência aumentou devido a presença dos americanos e das demais tropas estrangeiras que estão ali dentro. Isso é que está gerando o extremismo. Eles (os americanos) é que fabricam esse extremismo. O que está acontecendo com os combatentes presos pelos soldados americanos nem nos campos de concentração nazistas aconteceu. E isso está nas câmeras de TVs, nos jornais, nas revistas e infelizmente os julgados são os que reagem. Eu sou morto, massacrado, torturado, a minha casa foi demolida. Na hora em que eu reagi um pouco; eu sou extremista, eu sou terrorista.

DIÁRIO – O senhor disse anteriormente que a comunidade islâmica está em crescimento. Aqui em São Bernardo, a maioria das pessoas que freqüenta a mesquita é descendente de muçulmanos ou não?
Ali Abdune – A maioria é de origem muçulmana, mas há vários irmãos que se converteram. No mundo ocidental, sentimos esse crescimento notavelmente.

DIÁRIO – A que o senhor acha que se deve esse crescimento?
Ali Abdune – A grande propaganda que a mídia está fazendo. A propaganda contra, principalmente depois (dos atentados) do 11 de Setembro. Foi aí que vimosmuitas pessoas assistindo às cenas veiculadas pela mídia sobre os extremistas. Elas querem saber: “O que vocês são?” “O que é o Islã?” E na hora que explicamos o que é a religião, ela acaba aderindo. Em relação aos Estados Unidos, parece incrível, mas podemos falar que o lugar onde a religião muçulmana mais cresce é lá. Hoje tem 10 milhões de americanos muçulmanos convertidos ao Islã. Antes de 11 de setembro de 2001, eram cerca de 7 milhões.

DIÁRIO – Existe algo de anti-americano ou anti-George W. Bush pelo menos, antiimperialismo alguma coisa assim? Ou é uma busca espiritual mesmo?
Ali Abdune – É procura espiritual. Hoje nós estamos num mundo mais ligado ao lado materialista. As pessoas estão sentindo um vazio por dentro; elas querem se aproximar de Deus, porque somos feitos de corpo e alma.

DIÁRIO – Em São Bernardo, existe um perfil dessas pessoas que se convertem?
Ali Abdune – A maioria é jovem.

DIÁRIO – E como é que se dá essa mudança no jovem? As mulheres, por exemplo, têm que se vestir de maneira diferente...
Ali Abdune – Na realidade, isso não é difícil porque a religião muçulmana não impõe. A pessoa se converte por livre e espontânea vontade. É diferente do que se ouve por aí, que a mulher não tem direito de escolher o seu parceiro.Ela tem direito de escolher, ela tem o direito de divorciar-se, se não conviver bem com ele. A roupa é para preservar a mulher. O lenço e a roupa devem cobrir os cabelos, pés, mãos, o pescoço. Para que a mulher não seja cobiçada, por nós homens.

DIÁRIO – Após a conversão, como é que fica a readaptação dessas pessoas, porque muitas dessas mulheres e homens trabalham. Como fica essa questão de parar para fazer oração cinco vezes por dia? Já vieram reclamar para o senhor?
Ali Abdune – Muito pouco. Em relação à oração, não requer mais do que cinco minutos, e pode ser feita em qualquer lugar. Em relação à vestimenta, vivemos num país onde as pessoas compreendem essas questões. Nós temos até uma irmã convertida ao Islã que trabalha na guarda municipal em Santo André e ela usa o lenço.

DIÁRIO – Quanto aos jovens, existe a questão da sexualidade. Como é tratada? A religião católica, por exemplo, trata o sexo com um certo olhar severo, O sexo antes do casamento e o uso de preservativo são condenados. Diante do problema da Aids e da gravidez indesejada. Como lidar com o assunto?
Ali Abdune – Todas as religiões monoteístas proíbem as relações sexuais antes do casamento. O Islã toca muito nessa questão, nesse ponto, incentiva os jovens, tanto os rapazes, como as moças a se casarem cedo, antes dos 20 anos, de preferência. Os muçulmanos são ensinados já desde pequenos a construir uma família.

DIÁRIO – Mas existe uma orientação? No caso de meninos, por exemplo, que convivem com outras meninas, que não são muçulmanas, logo não estão com os corpos totalmente cobertos. Não existe uma conversa: “Olha! Se não resistir à tentação, use a camisinha”. Não existe esse tipo de preocupação dos pais com o uso do preservativo?
Ali Abdune – A orientação não é sobre o uso da camisinha, mas sobre o próprio ato que, com ou sem camisinha, é proibido.

DIÁRIO – Depois do casamento, o controle de natalidade é permitido?
Ali Abdune – Os métodos anticoncepcionais são permitidos, desde que não sejam definitivos, sejam em homens ou mulheres.

DIÁRIO – Como é o Ramadã para os recém- convertidos ou para os jovens?
Ali Abdune – Antes de se converterem, as pessoas pensam que são coisas difíceis, o jejum, as orações, a abstinência sexual. Depois, passa a achar normal. Não tem dificuldade alguma. Até os fumantes conseguem ficar sem o vício durante o dia.



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