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Turma da Mônica ganha personagem cega
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
29/11/2004 | 11:11
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O bairro do Limoeiro testemunhará uma explosão demográfica nos próximos meses. Quem não reconhece essa vila fictícia é porque jamais folheou, ou talvez leu com sono atrasado, as páginas dos gibis da Turma da Mônica, que comportam as criações de Mauricio de Sousa. O Limoeiro é o local onde moram Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali e para onde estão se mudando Dorinha, Paralaminha e outros personagens inéditos que aproximam os quadrinhos brasileiros das questões de igualdade civil na realidade do país. Esse flerte com a responsabilidade cidadã começa a emergir já na edição deste mês da revistinha Mônica (editora Globo, nº 221, R$ 3,50), nas bancas.

Na primeira historinha do gibi, Dorinha - A Nova Amiguinha, Mauricio introduz a personagem-título, uma menina cega recém-chegada ao bairro. O nome é uma homenagem a Dorina Nowill, criadora e presidente emérita da fundação que leva seu nome e que milita na assistência a deficientes visuais.

Na ficção infantil, Mauricio de Sousa é craque. Conhece as medidas da simplicidade e o modo de traduzir a complexidade do mundo para o repertório dos baixinhos, com um humor sem berloques fora de hora. Ao apresentar Dorinha, pinta-a com alto astral, com uma queda pela vida fashion e com a autoconsciência de suas limitações, que em vez de proibição inspiram adaptação.

"O que nós queremos é passar uma mensagem de inclusão. Vamos fazer histórias a respeito de crianças que gostam de viver e, para isso, vão descobrir uma série de coisas", afirma Mauricio. O quadrinista, que tem anos de cancha com leitores infantis desde que criou o Bidu, em 1959, já vedou sua criação contra a tentadora comiseração. "Quem convive com pessoas que encaram esse tipo de adversidade sabe que é difícil encontrar alguém pra baixo, deprimido por causa disso".

Dorinha é a pioneira do projeto "dentuça cidadã". Na trama final da mesma edição em que ela estréia, Mauricio observa as crianças de pais divorciados. Xaveco, figurinha das antigas no universo mauriciano, protagoniza uma história na qual se divide entre os endereços de sua mãe e de seu pai. O mundo gira, e Mauricio o acompanha como um argonauta a serviço da infância, que navega os costumes e a sociedade brasileira e traz de lá notícias para seus "empregadores".

Não é de hoje essa sua navegação: exemplo mais explícito é o Humberto, o menino loirinho que balbucia insistentes "hum-hum" em virtude de sua mudez. Fora o DVD do longa Cinegibi, lançamento recente e o primeiro do gênero no Brasil a trazer a opção de linguagem de sinais para surdos.

No próximo número de Mônica, nas bancas em meados de dezembro, outra dose politicamente correta. Será a vez da estréia de Luca, garoto paraplégico que "gosta de ser chamado de Paralaminha", diz seu criador. O apelido, você já deve ter matado a charada, é inspirado no vocalista da banda Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna, que supera dificuldades de locomoção causadas por uma queda de ultraleve, em fevereiro de 2001.

Mauricio anda tão novidadeiro quanto uma cartomante, quando indagado sobre novos projetos. Conta que no próximo ano deve enturmar seus personagens com questões multirraciais ao lançar dois personagens negros que serão experts em música, um na vertente erudita, outro na popular. "Nós vamos atrás das tradições e dos ancestrais africanos do nosso país". E pretende condensar no papel a diversidade "desse Brasilzão", como ele mesmo diz.

Trará para o Limoeiro gente de todos os cantos do país, a começar pelos migrantes do Nordeste, pois está mais que na hora do que ele chama de "realinhamento da turminha". Tudo indica que será difícil não encontrar um bocado de adultos no ano 2020 que, tal qual os adultos de 2000, não tenha crescido à base de leite e de coelhadas.




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