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Meu bem, meu mal

Obra-prima de Lars von Trier, ‘Dogville’ chega hoje à Capital e disseca o ser humano

Miriam Gimenes
25/01/2019 | 07:52
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Renato Mangolin/Divulgação


A campainha soa duas vezes e, em poucos minutos, um facho de luz, não muito forte, reflete no palco. É possível ver um cenário escuro, com cadeiras bagunçadas, todas caídas no chão. O narrador entra e dá indícios do que está por vir nas próximas duas horas. A indicação dele tampouco reflete a sensação de quem presencia texto e interpretação ‘desenhados’ no tablado, tão visceral e coerente com o que a sociedade vive hoje.

Esta foi a sensação que a equipe do Diário teve ao assistir ao ensaio aberto de Dogville, adaptação teatral do filme do cineasta dinamarquês Lars von Trier, que estreia hoje, às 21h, no Teatro Porto Seguro, em São Paulo. Com direção de Zé Henrique de Paula, a montagem – indicada ao Prêmio Shell na categoria melhor figurino; três categorias no Prêmio Cesgranrio de Teatro e em cinco categorias no Prêmio Botequim Cultural de Teatro – conta com grande elenco, do qual fazem parte Fábio Assunção, Mel Lisboa, Selma Egrei, Bianca Byington, Chris Couto, Munir Pedrosa.

O cenário descrito no início do texto é o pano de fundo para a cidade de Dogville, que, por conta dos problemas financeiros gerados pela grande depressão de 1929, nos Estados Unidos, está devastada, sem dinheiro, na treva. Lá residem poucas famílias que, de tempos em tempos, se reúnem para tentar achar uma saída para sobreviver ao desânimo e à falta de perspectiva.

É então que a luz, de fato, chega à cidade. Ela atende pelo nome de Grace (Mel Lisboa), que mexe com as estruturas do vilarejo, embora ninguém saiba a que veio. Ela é recebida pelo sonhador Tom (Rodrigo Caetano), que convence os outros moradores a aceitarem a jovem, que se desdobra, física e psicologicamente, durante duas semanas, para conseguir o feito.
 

E aí mora a virada da história. Ao passo em que ela se mostra solícita, cativante e bondosa, os seus ‘salvadores’ – visto que Grace está lá se escondendo de algo – apresentam a outra face do ser humano. “Grace sofre inúmeras violências e provocar isso na plateia é importante. O texto é muito provocativo, toca na ferida, verticaliza a história”, diz Mel Lisboa, que, diga-se, faz uma interpretação incrível. É impossível, principalmente para as mulheres, não se colocar no lugar dela.

E talvez seja essa a intenção do espetáculo. Causar empatia no público e fazer com que se identifique, não só com a protagonista, como também aos demais personagens da trama, que fala de misoginia, crueldade, preconceito, capitalismo, intolerância e falta de compaixão. Porque o bem e o mal, como é mostrado, moram dentro de todo ser humano. “É uma peça boa, que está em movimento. Lá no Rio (ficou em cartaz no fim do ano passado), cada vez que apresentamos ela conversava com algum fato que estava acontecendo no momento”, lembra o diretor, que acrescenta que nem todos em cena assistiram ao filme de Von Trier, lançado em 2003, indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes. “Nós construímos a nossa Dogville.” Palmas para eles. A obra, de desfecho catártico, ficou sólida.

Dogville – Peça. Teatro Porto Seguro – Al. Barão de Piracicaba, 740, em São Paulo. Sextas e sábados, às 21h, e domingo, às 19h. Até 31 de março. Ingr.: a partir de R$ 50 à venda em www.teatroportoseguro.com.br.  




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