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Em votação, STF libera homens gays para doarem sangue

Ministros votam para modificar normas atuais impostas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa

Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
05/05/2020 | 00:18
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Nario Barbosa/DGABC


A comunidade LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Intersexuais e Outros) está prestes a alcançar grande conquista e assumir papel importante na luta contra a Covid-19. Isso porque o STF (Supremo Tribunal Federal) reabriu na sexta-feira e deverá concluir até o fim desta semana a discussão sobre a restrição na doação de sangue por homens gays e outros integrantes desta população, que seguem limitados de colaborar com os estoques dos bancos de sangue, atualmente ainda mais fragilizados em razão da pandemia do novo coronavírus. Em 2011 o Diário denunciou a inconstitucionalidade aplicada e saiu na frente ao se mostrar favorável à indiscriminação do procedimento (leia mais abaixo).

O voto do ministro Gilmar Mendes fez com que houvesse maioria provisória para impedimento da norma aplicada pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Os seis magistrados votaram a favor, mas Alexandre de Moraes condicionou o uso do material a testes imunológicos específicos. Vale lembrar que, independentemente da orientação sexual dos doares, o sangue coletado passa por diversos exames antes de ser utilizado ou descartado. Segundo a pauta do STF, amanhã o plenário retoma o assunto.

Em 2017, Gilmar Mendes pediu vista – mais tempo para analisar o caso – e o STF paralisou a votação da pauta desta ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.543, de autoria do PSB (Partido Socialista Brasileiro), que entrou com questionamento justamente sobre as normas que declaram inaptos para doar sangue, entre outros, homens que tiveram relações sexuais com outros homens no período de 12 meses.

“A anulação de impedimentos inconstitucionais tem o potencial de salvar vidas, sobretudo numa época em que as doações de sangue caíram e os hospitais enfrentam escassez crítica, à medida em que as pessoas ficam em casa e as pulsações são canceladas por causa da pandemia de coronavírus”, afirmou Gilmar Mendes durante a justificativa. Ele ainda declarou que há discriminação nas normas em comparação a homens homossexuais e heterossexuais. “Os primeiros são inaptos à doação de sangue, ainda que adotem medidas de precaução, como o uso de preservativos, enquanto os últimos têm uma presunção de habilitação, ainda que adotem comportamentos de risco, como fazer sexo anal sem proteção”, declarou Gilmar.

Apesar de não ser a decisão definitiva, o aceno favorável serviu para que a comunidade LGBTI+ celebrasse grande passo. “Essa norma que proíbe a doação seria direcionada a pessoas promíscuas, que têm mais de um parceiro, que não usam preservativo e usam drogas. Agora, isso se torna ato discriminatório, exclui população de homossexuais, porque é importante deixar nítido que orientação sexual e identidade de gênero não transmite doença alguma. Grande comemoração saber que posso chegar no hemocentro, dizer que sou assumidamente gay e doar. Meu sangue é vermelho como os outros.”, afirmou Marcelo Gil, presidente de honra da ONG ABCDS (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual). “Por outro lado, existe a seguinte preocupação: já pensou evangélico fundamentalista receber transfusão de sangue de um homossexual? Ou pessoa que odeia a população LGBTI+ receber transfusão de uma travesti? Temos de começar a perceber que somos humanos, devemos transitar em todas as categorias com igualdade. Essa é a palavra fundamental hoje em dia. Todos somos iguais em termos de cor, raça, etnia”, ponderou Marcelo.

Diário tratou do assunto na capa de 13 de maio de 2011

No dia 13 de maio de 2011, ou seja, poucos dias antes de se completar nove anos, o Diário publicou grande reportagem com destaque na capa, na qual denunciava a maneira discriminatória e até mesmo debochada que os hemocentros atendiam às demandas do público LGBT, agora LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Intersexuais e Outros) com relação aos heterossexuais. Com o título “Hospitais rejeitam sangue de homossexual”, a reportagem trouxe as experiências de seis profissionais do jornal que foram a centros de captação de sangue do Grande ABC. Três se apresentaram como heterossexuais e três por homossexuais, estes que passaram por constrangimentos e tiveram respostas superficiais para justificar que não poderiam doar, assim sendo barrados sumariamente. O tratamento às diferentes orientações sexuais foi bastante impactante, com mais tolerância aos héteros.

Agora, a reabertura da votação do STF (Supremo Tribunal Federal) à pauta sobre estes problemas nas normas do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o aceno de que a definição será favorável à liberação da comunidade LGBT, o Diário se mostra com o sentimento de dever cumprido. “A decisão da mais alta Corte do País valida o desejo dos deputados constituintes de 1988, que vedaram qualquer tipo de discriminação. O Diário foi o primeiro grande veículo de comunicação do Brasil a perceber e a denunciar a flagrante inconstitucionalidade das normas da Anvisa que proibiam homens que fazem sexo com homens de serem doadores de sangue. Eis uma das razões pelas quais o jornalismo é alvo constante dos donos do poder: quando bem exercido, ele é capaz de mudar o curso da história”, declarou o diretor de Redação do Diário, Evaldo Novelini, que assinou aquela reportagem junto do colega Sérgio Vieira e teve a colaboração de Angelo Baima, Claudinei Plaza, Denis Maciel e Fernando Nonato.

Durante a apuração da reportagem, pelo menos duas provas da discriminação e da falta de respeito. Em Santo André, um dos profissionais do jornal se deparou com comparação, no mínimo, infeliz de um profissional do centro de coleta, que comparou gay a usuário de maconha – se seu filho fosse homossexual o impediria de doar. Já em São Bernardo, atendente gargalhou ao saber da opção sexual do doador e que ele mantinha união estável com outro homem.

Desinformação e preconceito são motivos para não ir doar

As determinações que impõem restrições a classes da comunidade LGBTI+ estão nas regras de doação de sangue no Brasil definidas pela portaria 158/2016, do Ministério da Saúde, e pela resolução 34/2014, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Entretanto, sem clareza, as normas dificultam o entendimento e acabam proporcionando generalizações, como se nenhum integrante desta parcela da população – que pode representar 10% do total no País – pudesse doar.

“Existem pessoas que se sentem desmotivadas na doação por esta desinformação, pessoas com dúvidas se podem ou não. Muita gente também tem medo do constrangimento da triagem, de sofrer preconceito que é presente. E fica pior quando isso vem da área da saúde, onde se prega tanto o fato de não julgar as pessoas”, afirmou Ingrid Ferreira de Oliveira, 21 anos, estudante de biomedicina de Santo André.

Essas práticas discriminatórias desestimulam possíveis doadores. “Por saber que não podia doar nunca nem tentei, uma pena, pois várias vezes onde trabalho tiveram campanhas de doação e não participei”, contou o publicitário Victor Carfi, 22, de Diadema. “Sempre achei essa restrição equivocada. Podemos salvar diversas vidas e por causa de leis não podemos doar. Fico feliz pela evolução que conquistamos”, endossou o administrador Paulo Henrique de Camargo Silva, 22, de São Bernardo.

A estudante de medicina veterinária Mariana Steffens, 24, de São Bernardo, relatou que nas vezes em que foi doar e admitiu ter relações homoafetivas, disse ter recebido tratamento diferenciado. “Consegui doar, mas confesso que fiquei apreensiva por já ter escutado relatos de pessoas que não conseguiram.”

A transexual Paula Souza, 28, de Santo André, conta que foi impedida de doar. “Mesmo meu tio internado, precisando, não pude doar. Me disseram que não era permitido fazer nem o teste sanguíneo para ver se tinha alguma coisa. Porém, uma prima, mulher, pôde. Eu, sendo trans, não tive oportunidade”, lamentou. “Essa é uma grande vitória. (Para que todos possam doar) Ainda precisa ter grande quebra de estigma e mudança cultural”, crê.

“O sangue não pode ser visto como sangue do hétero ou do homossexual, porque a orientação não cria doença, quem cria é o comportamento de risco que pode ser assumido por qualquer idade e qualquer gênero”, opinou o fonoaudiólogo Gladstone Leite, 32, de Santo André.

HISTÓRICO
De acordo com Adriana Brito, gestora do curso de biomedicina da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), biomédica, mestre em microbiologia e doutora em biofotônica, tal cenário está estigmatizado no Brasil. “A exclusão se iniciou na era HIV/Aids, com grupo de homens que fazia sexo com homens. Até hoje se manteve essa restrição por supor ou acreditar que eram grupo mais exposto a essas doenças.” 




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