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Paulicéia vive de cultura e comportas
Lukas Kenji
Especial para o Diário
23/01/2012 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


O que hoje é bairro, antes era considerado sítio. Sítio dos Alves e depois Sítio Paulicéia foram os primeiros nomes da área que antes era utilizada por carros de bois e que hoje abriga grandes montadoras de veículos. Para os moradores, muita coisa mudou na Paulicéia, e vai continuar mudando. Pelo menos o nome vai ter outra alteração. De acordo com a nova regra ortográfica, Pauliceia vai ser grafada assim, sem acento.

No bairro, não faltam elementos que remetam à história. Na praça Ângelo Marin está o Obelisco do Soldado Constitucionalista, em homenagem aos estudantes considerados mártires ao lutar na Revolução de 1932. Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo são homenageados também na Rua MMDC, que é vizinha às ruas Tatuapé, Perdizes, Barra Funda, Lapa e tantas outras que recebem nosmes de bairros da Capital.

É nessa praça que a dona de casa Marilene Richoppo, 65 anos, leva todos os dias suas netas para brincar. Há 45 anos no bairro, ela diz ter saudades de quando mais crianças se divertiam na praça. "Antes dava para a molecada empinar pipa, andar de bicicleta e soltar peão por aqui, mas agora é complicado, tem muita sujeira e mato alto. É só olhar para o Obelisco pichado para perceber que não há manutenção aqui", reclama.

O aposentado Jurandir Richoppo, 68, concorda com a esposa. Para ele os piores problemas do bairro são as enchentes constantes e o trânsito. O morador trabalhou 30 anos na Mercedes-Benz, sediada na Paulicéia desde 1954. Para ele, seu trabalho ajudou no desenvolvimento de sua família da mesma forma que colaborou com a evolução do bairro. "As indústrias são muito importantes para a gente. A Paulicéia cresceu em torno delas", afirma o pai de dois filhos que também fazem carreira na empresa.

Os operários do sexto bairro com maior número de indústrias de São Bernardo fazem uma pausa no trabalho todas às quintas-feiras para orar. Cerca de 300 funcionários fazem preces em uma missa dedicada a eles no Santuário de Nossa Senhora Aparecida.

Mas se o bairro recebe a beleza do primeiro santuário do Grande ABC, as casas da Paulicéia têm outro tipo de ‘enfeite'. As comportas de cada residência mostram o medo que o morador sente perante às enchentes.
"Infelizmente a gente tem que colocar bloqueios nas portas. Não tem outro jeito, ou enfeiamos a casa ou a água entra e acaba com tudo", reclama a dona de casa Maria de Fátima, 58, que reconhece a cultura e a história presentes no bairro, mas que em vez de mais monumentos, gostaria que o piscinão do bairro fosse desassoriado para que ela e seus vizinhos da Rua Giácomo Gobato não tenham mais de lamentar as perdas materias que sofrem todo ano.

Santuário de Nossa Senhora recebe romarias de todo o País

Hoje o título é de 1º Santuário Diocesano de Nossa Senhora Aparecida do Grande ABC, mas em 1946, uma simples capela era a casa de orações da Paulicéia. A então Capelinha da Record foi fruto de promessa do empresário Paulo Machado de Carvalho, que instalou antenas de rádio no local e transmitia as missas aos domingos.

Com o passar do tempo, a capela deu lugar à igreja que, no ano passado, virou santuário dedicado à padroeira do Brasil. Trata-se do mesmo título do Santuário de Aparecida, no interior de São Paulo.
"Há fieis que não têm dinheiro para ir pagar suas promessas lá, e vem à Paulicéia para fazer isso", afirma com orgulho o Padre Alexandre Costa Santos.

Ele comenta ainda que o santuário recebe romarias de todo o País: "Só aos domingos, recebemos em média 200 pessoas de várias cidades diferentes para serem benzidas".

O monumento religioso está passando por reformas. Em 2014, uma capela com cascata e um cristo girando em 360 graus farão parte do santuário. Segundo o Padre Alexandre, a obra é totalmente financiada por doações dos fiéis.

Mesmo com piscinão, enchentes causam transtornos

A Paulicéia ganhou piscinão em 2005, mas ele não é suficiente para acabar com os transtornos dos moradores do bairro. Há dois anos, as enchentes romperam os muros do reservatório e inundaram as casas da Rua Giácomo Gobato. Vários moradores perderam tudo.

O receio fez com que o bairro tivesse ruas repletas de casas com comportas. A maioria não acredita na eficiência do reservatório para conter as cheias. "A obra só fez com que os prejuízos diminuíssem, mas não com que o problema fosse resolvido", afirma o músico Cézar José da Silva, 35 anos, que não quis comprar móveis novos depois de perder tudo. Ele não sabe quando pode sofrer prejuízos de novo.

Além de soluções ineficazes, o motorista Dionísio Fiúza, 56, aponta o lixo jogado no Córrego Canhema, como um dos principais agravantes dos alagamentos. "Vem até pessoas de fora do bairro jogar entulho e móveis lá. Isso é falta de educação" reclama.

A Prefeitura não se manifestou até o fim desta edição sobre o que pode ser feito para que os moradores da Paulicéia não percam mais seus bens para as águas.

A torre e a capela da Rádio Record

As origens do bairro Paulicéia são o antigo Sítio dos Alves, dividido em quatro grandes áreas de 40 mil metros quadrados em 1914, já com o nome de Sítio Paulicéia. A partir de 1930 começam a se estabelecer no local as primeiras famílias. A construção do transmissor da Rádio Record, em 1944, a inauguração da Bruma (depois Cotonifício São Bernardo; hoje espaço ocupado por piscinão), em 1951, e a inauguração da Mercedes-Benz, em 1956, se constituem em elementos básicos no processo de urbanização do bairro.

O nome Paulicéia é uma referência à cidade de São Paulo. O antigo Sítio dos Alves foi adquirido por Francisco Rodrigues Seckler, empreendedor, o mesmo que loteou Vila São José, em São Caetano.

A capela da Record é uma referência histórica que situava-se no chamado Esmaga Sapo, o ponto mais baixo do bairro, na várzea do Ribeirão dos Couros. Foi demolida em 1975 e reconstruída noutro ponto da Paulicéia que guarda apelido histórico, o Morro do Querosene. Cada apelido com a sua explicação. Da área alagadiça - o Esmaga Sapo - observa-se ao alto a iluminação típica de lampiões e lamparinas no período que antecede a chegada da luz elétrica.

A partir da segunda metade dos anos 1960 a ainda Vila Paulicéia é escolhida como um dos bairros de São Bernardo para receber a iluminação pública a vapor de mercúrio, que substituiu a iluminação pública das lâmpadas de pouca luminosidade. O ex-prefeito Aldino Pinotti costumava dizer que o alto padrão de iluminação do bairro servia de orientação aos aviões que aterrissavam logo à frente, em Congonhas.

Paulo Machado de Carvalho, o dono da Record, esteve presente à festa com procissão do translado da imagem de Nossa Senhora Aparecida da antiga para a nova capela. A Record transmitia as missas. E o bairro passou a ser a opção mais próxima para quem tinha dificuldades de se deslocar até à cidade de Aparecida. A criação oficial do santuário de Aparecida em 2011 coroou toda uma tradição religiosa.

O bairro Paulicéia é formado por vários loteamentos anteriores à legislação que regulamentou a abertura de bairros no Brasil. São os casos, além do Sítio Paulicéia, da Vila Odete, Vila Paulicéia propriamente dita e Vila Paulistana. (Ademir Medici)




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