O diretor Paulo Morelli e o elenco de sua produção Cidade dos Homens passaram abril inteiro promovendo o lançamento do DVD do filme (Fox Home Entertainment, R$ 39,90). Finalmente, cineasta e equipe técnica encerram essa maratona na sexta-feira, às 19h, quando recebem o público na Casa do Saber (R. Dr. Mário Ferraz, 414. Tel.: 3707- 8900), em São Paulo, para uma conversa sobre o longa-metragem. É necessário fazer inscrição antecipada.

A julgar pelo making of que acompanha o DVD, essa discussão não vai interessar apenas aos cinéfilos, mas a todos. Cidade dos Homens, para quem ainda não viu o filme, fala da ausência da figura paterna num País em que o fratricídio ameaça de modo particular crianças e jovens recrutados pelo tráfico. Este conduz à tragédia maior: a desagregação do núcleo familiar, modelo da estrutura que funda a sociedade.

Vai além dela: mostra como os conflitos bélicos nas favelas e periferias dos grandes centros urbanos muitas vezes colocam irmão contra irmão, marido contra esposa ou amigo contra amigo, caso de Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), que crescem juntos e são obrigados a se separar, partindo para o confronto por conta da pressão exercida pelo tráfico sobre um deles.

Ambos completam a maioridade no filme, experimentando a violência num rito de passagem em que Acerola é obrigado a assumir a paternidade precoce e Laranjinha é renegado pelo pai, um ex-presidiário sem chances de recuperação social.

O making of de Cidade dos Homens é exemplar. É comovente o depoimento de Darlan Cunha, ao revelar o sentimento de orfandade que marcou sua adolescência, desde o menor dos detalhes – a pouca destreza no futebol, motivada pela ausência de um modelo paterno – até o isolamento compulsório provocado pelo medo que a mãe tinha da má influência de amigos ligados aos traficantes.

No filme, Acerola e Laranjinha moram na mesma favela sem se envolver com o tráfico. Autônomos, devem decidir seus destinos: ou repetir os erros dos pais ou escolher o próprio caminho, decisão difícil quando não se tem um modelo a seguir. A amizade, a paternidade e a maturidade formam o tríptico de Cidade dos Homens.

Alegoria - Morelli admite ter concebido o filme como uma alegoria da ausência do pai, mas nega seu alcance político. Não se trata, segundo ele, de uma crítica ao papel de presidentes eleitos como ‘pais da Nação’ – sejam eles Getúlio ou Lula – por órfãos maltratados pela pátria-madrasta. “É uma alegoria, sim, mas da comunidade da favela, em que os chefes do tráfico desempenham o papel simbólico do pai ausente”, diz.

O ator Douglas Silva (Acerola), cujas únicas recordações da infância estão registradas nos fotogramas de Palace II e Cidade de Deus, observa que escapou desse destino por ter eleito outros modelos. “Eu não pensava em ser ator quando fiz Palace II”, conta, referindo-se ao curta-metragem realizado pelo cineasta Fernando Meirelles como laboratório para Cidade de Deus e, posteriormente, Cidade dos Homens. “Queria ser militar, como meu pai, meu avô, meu tio e meu irmão”, revela. Hoje, sondado pelo cinema belga, já pensa numa carreira internacional, após filmar com o cineasta Eduardo Felistoque.

O caminho do aeroporto não é destino apenas do ator. Morelli, um dos sócios da produtora O2, tem sido assediado por majors norte-americanas para participar de co-produções. Cuidadoso, diz que não quer banalizar a discussão sobre o papel do crime organizado na sociedade brasileira.

Seriam esses grandes estúdios capazes de alterar a sintaxe dos filmes aqui produzidos? Morelli não acredita nisso, assim como tem dúvidas sobre o chamado ‘cinema de autor’. Para ele, filmes bons são aqueles capazes de se comunicar com qualquer tipo de púbico.