D+ Titulo Trama
Quando o amor
surge entre primos

Nova novela das 21h de Manoel Carlos, da Globo,
discute a relação que acontece em muitas famílias

Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC
17/02/2014 | 16:00
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Divulgação/Rede Globo


Eles cresceram juntos. Entre uma brincadeirinha ali e um beijinho aqui, Helena e Laerte se envolvem. É uma relação maior do que admiração entre primos. É amor, com direito a pacto eterno. Esse é o roteiro principal de Em Família, trama atual da novela das 21h da Rede Globo. O tema abordado pelo autor Manoel Carlos não é tão distante assim da realidade de muitos adolescentes por aí.

“O namoro acaba sendo comum por crescerem e conviverem juntos em fase em que estão descobrindo os sentimentos e desejos. Como adolescente, geralmente é mais inseguro acaba experimentando as coisas com quem admira e confia”, analisa a psicóloga e psicoterapeuta familiar Cristiane Vaz De Moraes Pertusi.

Em comunidade dedicada ao assunto no Facebook, há muitos depoimentos sobre esse tipo de relação. Muitos deles vivem o romance em segredo com medo da reação da família. “Tudo vai depender de como cada núcleo familiar encara o assunto. O importante é que aja diálogo entre os adultos e o casal, além de tomar cuidado para que os dois não se fechem no mundo deles. É preciso que tenham outros grupos de amigos para que a relação não fique como a da novela”, completa a psicóloga.

Para Guilherme Leicam, que interpreta Laerte na segunda fase da trama, o problema em relação a Helena é exatamente esse, não o fato de eles serem primos. “Para construir o personagem, descobri que isso (o romance de primos) é muito mais comum do que eu imaginava. Acho que, quando acontece, o amor deve decidir e o coração falar mais alto. Se a proibição for forte pode ser que a paixão e a fantasia cresçam na mesma proporção”, opina o ator, que não viveu algo parecido. “Nunca fui próximo a alguma prima que pudesse me relacionar intensamente.”

FICÇÃO E VIDA REAL
A questão de ser uma relação proibida estimula os escritores a dedicarem livros sobre o tema. Muitas fanfictions abordam o amor entre primos. Inspirada em uma delas, Bárbara Lorentz, 22 anos, escreveu O Que Há Por Trás (disponível como e-Book na Amazon.com). Conta a história dos primos Melissa e Thiago. O pai da protagonista descobre o namoro e proíbe os dois de se verem, mas eles estão apaixonados. “Acredito que a relação ainda é tabu. As famílias enxergam os primos como amigos, que não podem se envolver amorosamente. Mas a situação é muito comum, tanto que já recebi depoimentos de leitores que se identificaram com a minha história”, conta a escritora.

 

Há registros desse tipo de romance há séculos e em outras culturas
Relacionamento entre primos acontece desde a Idade Média, quando nobres preferiam que os casamentos fossem realizados na família como forma de manter as riquezas, heranças e poder. Até hoje há casos. O príncipe Philip e a rainha Elizabeth II, da Inglaterra, são primos de terceiro grau.

Em alguns lugares do mundo, como Sul da Ásia e Oriente Médio, entre 20% e 50% dos casamentos são entre primos de primeiro grau ou parentes mais próximos. De acordo com estudo feito por Alan H. Bittles, da Universidade de Murdoch, na Austrália, 10% da população mundial está casada com um primo ou tem pais que são primos.

Charles Darwin e sua mulher Emma, eram primos de primeiro grau, sendo que os avós dele tinham o mesmo parentesco. Outros famosos, como Albert Einstein, Franklin Roosevelt, Thomas Jefferson, Edgar Allan Poe e os atores Jerry Lee Lewis e Kevin Bacon, casaram com suas primas.

Na cultura ocidental, especialmente cristã, a união não é tão bem-vista. Para que um casamento entre primos de primeiro grau seja realizado é preciso autorização de um bispo. Por outro lado, a lei brasileira permite. De acordo com o artigo 1.521 do Código Civil, é proibido o casamento entre parentes colaterais até terceiro grau – tio (a) e sobrinha (o) –, mas os primos-primeiros são parentes em quarto grau. Nos Estados Unidos, 31 dos 50 Estados proíbem este tipo de casamento.

 

Filhos de primos têm mais chance de problemas genéticos?
Grande parte do tabu que gira em torno de casamentos entre primos se deve ao fato de que há possibilidade de os filhos frutos desse relacionamento, chamado de consanguíneo, apresentarem mais problemas genéticos do que os que nascem entre casais sem parentesco algum.

A professora doutora Maria Rita dos S. e Passos Bueno, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Bioências da USP, explica que o risco é realmente maior. "Há grande possibilidade dos primos de primeiro grau possuírem alelos ou genes (códigos que compõem o DNA) em comum, inclusive, os chamados genes patogênicos de herança autossômica recessiva. Quando uma pessoa tem um destes alelos patogênicos ela é sadia. Porém, se ao filho herda os alelos de ambos os pais, vai manifestar a doença." 

Segundo o geneticista Roni Zanenga, da SBAC (Sociedade Brasileira de Análises Clínicas), a probabilidade de o bebê desenvolver a doença é de 6% (essa taxa varia um pouco; há pesquisas que apontam 13%), sendo que com outros casais é de 3% a 4%. “É o dobro, mas ainda assim trata-se de um risco mínimo o casal ser portador da mesma mutação recessiva. Além disso, as doenças são raras”, pondera. E quanto maior o parentesco (primos de segundo e terceiro graus), mais difícil o bebê nascer com problemas.

Fibrose cística (infecções crônicas e recorrentes do pulmão, insuficiência pancreática e elevados níveis de cloro no suor), surdez, alguns tipos de atraso mental, fenilcetonúria (afeta o desenvolvimento cognitivo e outras funções neurológicas) são exemplos de doenças que podem se manifestar nesses casos. “O ideal é que os primos de primeiro grau façam um aconselhamento genético antes. Os exames conseguem ajudar a calcular os riscos”, conclui o geneticista.

 

História real - Inspirada pela reportagem, a leitora Rosana Fernandes, de São Bernardo, nos enviou a história da sua família. “Também somos Fernandes, como na novela, mas nosso caso é ainda mais pitoresco”. Leia o depoimento dela::

“Meus pais são primos de primeiro grau. Minha mãe, já falecida, era oito anos mais velha do que meu pai e foi ela quem cuidou dele quando criança. Meu pai, inclusive, sempre brincou dizendo que ela havia posto alguma coisa na mamadeira dele para que eles se casassem. 

E a história não para por aí: duas irmãs do meu pai se casaram com dois irmãos da minha mãe. Meus pais tiveram três filhas e cada um dos outros casais outros seis filhos. Todos são saudáveis e não nos auto-intitulamos ‘filhos de primos.’ Para completar, minha irmã caçula casou com um desses meus primos e, hoje, eles têm a Sofia, 7 anos. Ela é uma menina forte, linda, saudável e superinteligente. Dizemos que ela é  uma ‘Fernandes pura’. Minha família é muito unida e nós, primos, fomos criados muito próximos. Sempre saímos e estudamos juntos, rolaram e ainda rolam, inclusive, ciúmes quando aparecem as namoradas e namorados, maridos e esposas.

Um de meus primos era grudado em mim e na escola ninguém podia chegar perto que ele até brigava. Não namoramos, mas ele fez questão que eu fosse sua madrinha de casamento tanto no civil como no religioso. Esse é um pouco da história da família Fernandes da vida real.”

 

Também rolou em ...

> A LAGOA AZUL – Richard e Emmeline, personagens do filme de 1980 muito reprisado na Sessão da Tarde, são primos. Eles vão parar em uma ilha deserta e se apaixonam.

> PRIMO BASÍLIO – O clássico de Eça de Queirós (1878) é sobre o romance entre Luísa, casada com Jorge, e seu primo Basílio, com quem namorou na adolescência.

> PASSIONE – Em 2010 foi ao ar novela, em que Fátima e Sinval começam a namorar e mais tarde descobrem que são primos. A notícia não os impede de se casar.




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