Interação Titulo Interação
Mais um pitaco

Ao longo das últimas semanas, foram muitos os artigos relacionados ao César, da novela Amor à Vida...

Carlos Ferrari
Do Diário do Grande ABC
29/01/2014 | 07:00
Compartilhar notícia


Ao longo das últimas semanas, foram muitos os artigos e posicionamentos inflamados que surgiram em blogs, fóruns de redes sociais e e-groups relacionados ao César, o personagem interpretado por Antônio Fagundes na novela Amor à Vida, que, envenenado lentamente por sua mulher, acabou ficando cego.

Pessoalmente, não me peguei surpreso, pois é sempre assim, um movimento que ganha voz e se faz presente naturalmente nos debates em geral na sociedade e, quando se vê representado, seja de forma negativa ou positiva, sempre vai se posicionar.

Desde criança, na condição de noveleiro ocasional, mas assumido e bem resolvido, tenho acompanhado vários cegos em novela. O primeiro que me vem à memória foi o cego Jeremias, de Roque Santeiro. Tratava-se do cego estereotipado por décadas pelo imaginário brasileiro. Caso não tenham visto, ele pedia esmola, tinha super sentidos, como olfato e audição, tocava um instrumento, era bem-humorado, e com seu guia, compunha o cenário padrão de uma cidade pequena do interior do País. Também me recordo dos cegos de América, o Jatobá, interpretado por Marcos Frota, a Flor, por Bruna Marquezine, além de atores verdadeiramente cegos, que ganharam espaço na trama. Mais recentemente o próprio Walcyr Carrasco, de Amor à Vida, apresentou a atriz cega Danieli Haloten, que trouxe para Caras e Bocas a personagem Anita.

Notem que estou abordando somente a cegueira, mas também poderia falar de outras deficiências que foram abordadas na teledramaturgia brasileira. No fim das contas, o debate que sempre vem à tona é “esse personagem não nos representa; cria uma imagem ruim para a sociedade; reforça velhos preconceitos”. Acho, inclusive, que em alguns casos o grito de muitos dos militantes de nosso movimento de luta acaba fazendo todo o sentido. Contudo, também acredito que devamos respeitar a liberdade poética do autor. Faz-se necessário compreender que um personagem ganha vida dentro de um contexto; logo, todo seu comportamento se dá a partir daí.

No caso de Amor à Vida, antes de ficar cego fisicamente, César já não tinha qualquer visão clara de mundo, seja por seu amor irracional por Aline, seja por seu desprezo incondicional pelo filho Félix e tantos outros interlocutores que cruzaram seu caminho ao longo da trama.

Penso que precisamos ter cada vez mais pessoas com deficiência, gays, lésbicas, índios, enfim, mais minorias em nossas novelas, já desgastadas por um padrão que, as pesquisas mostram, clama por mudanças urgentes.

Pessoalmente, não gostei de Amor à Vida. Aliás, confesso que foi uma grande decepção, se pensarmos em outros trabalhos melhores já produzidos por Walcyr. Por outro lado, tenho que dizer que o cego criado por ele não me incomoda. Penso até que ficou claro para o povo brasileiro o fato concreto de que para aquele homem, o menor dos problemas é a cegueira física.

Escrevo este artigo no dia 28 de janeiro, ou seja, a história de César ainda não chegou ao fim. Portanto, trata-se de mais uma dentre tantas opiniões, que espero que possa contribuir para bons papos sobre o convívio entre pessoas com e sem deficiência nas novelas e no mundo real.

* Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria-executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual membro do CNS (Conselho Nacional de Saúde).
 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;