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A melhora das contas públicas, sem truques, frisa Delfim, pode ajudar a retomar a harmonia entre as políticas fiscal e monetária, que existia em 2011. Nesse contexto, ele acredita que os agentes econômicos passarão a acreditar no governo e vão diminuir de forma expressiva o pessimismo com a administração federal, que para ele é exagerado. O resgate da credibilidade do Poder Executivo, diz, vai ajudar a diminuir as expectativas de inflação, a ponto de devolver em dois anos o IPCA para uma marca próxima do centro da meta, de 4,5%.
"Mas, se o fiscal não der uma arrumada, esquece. Nós vamos pegar a tempestade perfeita. E aí vai ser difícil convencer as agências de rating de não rebaixar o Brasil", advertiu. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que o governo deveria fazer para recuperar a confiança dos agentes econômicos?
A percepção é muito pior do que a realidade. A dívida bruta a 60% do PIB não é um desastre. Um déficit nominal de 2,5% do PIB não é uma tragédia. O que está causando essa perturbação é que as medidas que estão sendo tomadas pelo governo são na direção de que pode aumentar essas relações. Quando é decidido refinanciar as dívidas estaduais, é dado margem para ter dúvida. Quando o Congresso decide que vai ter Orçamento impositivo sem ter uma regra de fixação da receita, isso vai transformar a receita na variável de ajuste.
O que seria uma política fiscal adequada?
A política fiscal tem de ser aquela que diz o seguinte: eu vou fazer um superávit primário para que a relação dívida bruta X PIB se reduza lentamente. Isso seria 2% do PIB. E tal taxa leva em consideração um crescimento do País ao redor de 2% e juro real de 4% ao ano. O Brasil não precisa ter juro real acima de uma marca entre 3% e 4%.
Mas, para 2013, o sr. estima que o superávit primário será menor do que 2% do PIB, certo?
Se neste ano o superávit primário chegar a 1,5% do PIB será muito. Então, o governo precisa passá-lo para 2% do PIB em 2014.
E como esse superávit pode ir para 2% do PIB?
O importante é dizer que será 2% do PIB e quando chegar no fim do ano entregar os 2%, sem truques. Eu tenho a impressão que as últimas manifestações do ministro da Fazenda são nessa direção.
E o sr. acredita que o governo elevará o superávit primário para 2% do PIB num ano eleitoral?
Eu espero. A melhor coisa que o governo poderia fazer para pôr ordem nisso é dizer que a despesa primária da União não vai crescer mais que dois terços da taxa de expansão do PIB. A única que tem credibilidade e pode fazer isso é a presidente Dilma. É preciso dizer claramente o seguinte: eu determinei, e nós vamos fazer um superávit primário de 2% do PIB. E ponto. O mercado vai acreditar. As pessoas dizem o seguinte: se ela decidir, acontece. Isso dá condição para o Banco Central calibrar as taxas de juros e esquecer o lado fiscal. O BC está calibrando os juros, com o superávit estrutural. Isso é uma coisa duvidosa, pois depende da estimativa do PIB potencial.
Muitos agentes econômicos têm a impressão de que o governo Dilma não gosta das empresas lucrando muito, que ela é contra o mercado. O que o sr. acha?
A ideia de que a presidente Dilma não gosta de lucro (das empresas) é um absurdo. Mas é a impressão. Se você olhar direito, essas impressões indicam o seguinte: que ela acha que os empresários são um bando de egoístas e monopolistas, sempre prontos para assaltar a sociedade, e o setor privado acha que ela é uma trotskista enrustida. Os dois estão errados. Ela talvez esteja um pouco mais certa do que o setor privado.
Se o governo entregar um superávit primário de 2% do PIB em 2014, isso ajudará a levar o IPCA para perto da meta de 4,5% em dois anos?
Provavelmente sim, pois vai conseguir ancorar as expectativas de inflação. É preciso reduzir o nível de incerteza. E a grande incerteza hoje é a possibilidade de o País ser envolvido pela tempestade perfeita.
E o que o governo deveria fazer para evitar que o Brasil seja vítima dessa tempestade?
As agências de rating têm dúvidas em relação ao Brasil porque o crescimento do PIB é um pouco menor do que a gente gostaria, não há certeza sobre a evolução da dívida bruta. Quando gerar o superávit primário de 2% do PIB, combinado com os efeitos positivos das concessões, desde a de Libra, de rodovias e aeroportos, o País acelera o crescimento. Se você maneirar a parte fiscal, vai ajudar a reduzir a taxa de juro real. E com isso desmonta a ameaça de um rebaixamento do Brasil. As próximas concessões terão muito mais sucesso do que as que já aconteceram.
O sr. não acredita no rebaixamento do Brasil por agências de rating em 2014?
Não acredito. Se o governo der condições objetivas, que é a combinação de uma pequena aceleração do crescimento econômico, com a manutenção da taxa real de juros de 3% a 4% ao ano, isso dará às agências de rating um pouco mais de conforto. E esse é o cenário mais provável.
O sr. acredita que no último ano de governo, com um resultado melhor de superávit primário, a presidente Dilma será mais pragmática e menos ideológica?
Não tem posição ideológica nenhuma. Eu ouço dizer que ela é brizolista, como se isso fosse um negócio grave. A Dilma é uma tecnocrata pragmática. Tudo o que ela propõe está na direção certa.
Muitos empresários e investidores também reclamam que não conseguem ver um horizonte de longo prazo na política econômica da presidente Dilma.
Cada um tem o direito de reclamar. A situação que se criou é que a perspectiva não é boa. E essa perspectiva tem de ser mudada, e ela é única que pode modificar isso.
Mesmo em ano eleitoral?
Não tem isso. Temos o andar de cima da sociedade, que somos nós, que ficamos tristes que a bolsa caiu, o juro está menor, porque os nossos salários não estão crescendo tanto. E tem o andar de baixo, que está muito melhor. Não adianta querer negar que a sociedade brasileira melhorou nos últimos anos. E evidente que não foi só com o Lula. Ele sabe que foi ajudado pela arrumação que vinha do Fernando Henrique, com a evolução do mundo, com a introdução da China, e com a melhora das relações de troca, que tomou US$ 280 bilhões emprestado e distribuiu como consumo, e não investiu. É ridículo imaginar que isso não teve efeito nenhum para a população.
A volta da coordenação da política fiscal com a monetária em 2014 daria condições para que o PIB no próximo ano suba 3%?
Eu não tenho dúvida nenhuma. Eu acho que com Libra, as outras concessões e na hora que desmontar um pouco essa perspectiva pessimista, que é muito superior à realidade, vai dar para crescer 3,5%. Eu não sei quando isso vai ocorrer, mas quando inverter tudo isso, vai funcionar na direção de afastar o grande risco para o primeiro semestre de 2014, que é o rebaixamento do rating. Tudo isso vai na direção de nos livrar da tempestade perfeita. Ela pode vir, mas temos grande estoque de reservas, somos experimentados com a crise de 2008.
E voltará a harmonia da política fiscal com a monetária?
Isso mesmo. É impossível o Banco Central aceitar a dominância fiscal, senão ele vai para a esculhambação. Ele teve de inventar um truque de construir um superávit primário estrutural, que envolve uma variável que ninguém conhece, que é o PIB potencial.
Como o sr. avalia a gestão de Alexandre Tombini na presidência do Banco Central?
Muito boa. Provou que sabe mais que o mercado e que tem mais informações que ele.
Quando ocorrer o tapering (redução dos estímulos à economia) nos EUA, para onde irá o câmbio?
O câmbio deve dar um overshooting, mas depois se estabiliza. A intervenção do Tombini, com o programa de leilões de câmbio diário até o final do ano, deu certo. A única crítica que se pode fazer é a seguinte: ele indicou que iria fazer até dezembro, não tinha nenhuma condicionalidade. Cada vez que faz isso corre um risco de não acontecer o que você estava esperando e a tua medida dar errado. Ele tem tido sorte até agora, está funcionando.
Mas com a perspectiva de ocorrer o tapering no primeiro trimestre de 2014, o BC deveria estender esse programa de venda de dólares além do final deste ano?
Como ele não pode dizer que quer a taxa de câmbio em algum lugar, vai levar o programa até dezembro. Mas vamos supor que o câmbio atingisse R$ 1,95. Como é que ele se arranja? Ele tomou o risco. Quando faço uma guidance (orientação) condicionada, eu tenho escape. Mas no caso do Tombini, o risco vai se eliminar naturalmente, que é muito mais arriscado do que uma guidance que tem condicionalidades. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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