Política Titulo Politizado
De S.Bernardo a Brasília,
a pé, para protestar

Marceneiro que mora no Grande ABC andou 1.031
km para entregar carta de reivindicações a presidente

Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
09/07/2013 | 07:18
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André Henriques/DGABC


Dia 26 de maio, seis horas da manhã. O marceneiro – e compositor nas horas vagas – Vagner Melhado de Brito, 48 anos, saiu de sua casa, uma kitnet simples numa travessa miúda da Avenida Brigadeiro Faria Lima, no Centro de São Bernardo. O destino era Brasília, para entregar uma carta de reivindicações à presidente Dilma Rousseff. E todo trajeto, de 1.031 quilômetros, seria percorrido a pé.

Brito tinha em mãos o documento, registrado em cartório em fevereiro, pedindo à chefe da Nação formas mais eficazes de combate à corrupção. Ele deixou São Bernardo com apenas uma barraca, um cobertor antitérmico, saco de dormir, uma panela, pacotes de miojo, bacon e um boneco de pelúcia do Snoopy, a quem o marceneiro chama de Joe. Também levou, para despesas, R$ 780, frutos de economia árdua feita com o pouco salário que tem como marceneiro autônomo.

Trinta e quatro dias depois de sair do Grande ABC e passar por quatro Estados, Brito chegou a Brasília. Mas o que era para ser uma jornada solitária para contestar a forma de fazer política no País virou apenas mais uma gota no mar de insatisfação do povo brasileiro. Foi justamente durante o mês em que Brito caminhava pelas estradas nacionais que eclodiu a série de manifestações em diversas cidades, inclusive nos municípios da região.

“Estava no meio do caminho quando um amigo meu me ligou. ‘Vagner, estão protestando em tudo quanto é lugar’. Vi que não era só eu que estava indignado”, conta o andarilho. Nascido em Araçatuba, interior de São Paulo, pai de dois filhos e torcedor do Santos, Brito chegou ao Grande ABC com cinco anos, sempre morando em bairros da periferia de Santo André e São Bernardo. “Desde que era criança ouvi falar na corrupção, no desmatamento da Amazônia, em crimes do colarinho branco. E o que mudou nesse tempo todo?”, indaga.

A longa jornada terminou no dia 28 de junho, uma sexta-feira, data em que a movimentação política é reduzida em Brasília por não haver sessões no Congresso. Mas, naquele dia, um grupo manifestava em frente ao Palácio do Planalto. Brito não quis protocolar sua carta no governo federal. Queria encontrar maneira de levar seu protesto diretamente à presidente. Achou, então, dois seguranças que lhe deram a dica de levar o documento a uma das assessoras do gabinete presidencial. “Não sei se chegou nas mãos da presidente”, admite o marceneiro, que diz que foi para Brasília sem pretensão de reunião com Dilma.

Na carta, Brito chama a corrupção de “parasita”. “Seu objetivo é se multiplicar rápido, tornando assim mais difícil de ser combatida. Esse parasita não é seletivo, não faz distinção de raça, cor, sexo ou credo”. No fim do documento, ele pede a Dilma que, “com todo respeito”, separe o joio do trigo. “Já passou a hora.”

Exausto e com seu tênis Nike preto e roxo completamente gasto, Brito retornou a São Bernardo de ônibus. Foram 16 horas na estrada na volta, bem menos do que as 816 horas de caminhada diária, que lhe rendeu bolhas nos pés, tendão inflamado, 14 quilos a menos e uma porção de histórias que durariam bem mais que 34 dias se contadas ininterruptamente.
Leitor assíduo de Paulo Coelho e de biografias das principais figuras da humanidade, Brito afirma que há 20 anos anula seus votos. “Não lembro nem em quem votei pela última vez”, tenta puxar pela memória. O distanciamento eleitoral, no entanto, não faz com que ele se afaste da política. Brito diz que constantemente vai a protestos. Em um deles, comprou um boneco e fez uma montagem com notas de dinheiro para relembrar o caso do dólar na cueca, episódio no qual José Adalberto Vieira da Silva, assessor parlamentar de José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão do deputado federal José Genoino, foi preso antes de voo para Fortaleza com mais de R$ 100 mil, em espécie, guardados em sua roupa íntima.

As críticas do simples marceneiro que não chegou a terminar o colegial também atingem políticos do Grande ABC. A avaliação da gestão de Luiz Marinho (PT) em São Bernardo é feita com um sorriso e com poucas palavras. “É só ver a prioridade. Ele decidiu construir um Museu do Trabalhador, com R$ 18 milhões. Dinheiro esse que seria melhor investido em outras áreas.”
 




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