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Livros iniciam com seriedade
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
04/01/2003 | 17:27
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É tão obsessiva a mania de se empacotar cultura como produto – e sintomática, claro, do tratamento dela como mercadoria –, que nos últimos anos proliferaram como pragas os livros que se propõem a esmiuçar em poucas páginas ou até contabilizando em minutos (como uma série recente da Zahar) o perfil de filósofos, sociólogos, historiadores, intelectuais, enfim, importantes para o melhor conhecimento de nossa realidade.

Este tipo de livro costuma vender bem. É, no entanto, preciso separar o joio do trigo. Ou seja, diferenciar as empulhações das iniciativas com um mínimo de credibilidade.

Há editoras sérias, como a inglesa Routledge, que se especializaram nisso e procuram fugir da banalidade e do mercantilismo entregando a coordenação dessas empreitadas a profissionais experientes e sérios, comprometidos com a pesquisa rigorosa.

Dois bons livros desta linhagem podem ajudar o leitor comum a começar a entender um pouco as linhas mestras que norteiam o pensamento quase sempre intrincado e hermético de nomes como Foucault, Derrida, Hobsbawm, Baudrillard, Bourdieu, Adorno, Saussure e muitos outros.

Ambos começam com o número 50 em seus títulos. A Bertrand Brasil oferece uma boa tradução de 50 Pensadores Contemporâneos Essenciais, de John Lechte; e a Contexto lança 50 Grandes Pensadores da História, de Marnie Hughes-Warrington.

Não se trata de livros baratos. O primeiro custa R$ 38 e o segundo, R$ 49. Especialmente o livro sobre os 50 historiadores valeria inteiramente o investimento se tivesse sido mais cuidadosamente adaptado à nossa realidade editorial. Explico: como cada verbete, de quatro a dez páginas, inclui uma bibliografia não só de obras do historiador como de estudos sobre ele, não houve nunca a preocupação de informar ao leitor quais as obras disponíveis em português. Nenhuma tradução de obras do historiador Eric Hobsbawm é citada; remete-se sempre à edição inglesa. Ora, sabemos que praticamente todos os livros de Hobsbawm foram traduzidos e constituem relativos êxitos de venda no Brasil (A Era dos Extremos, por exemplo, e o recentíssimo Tempos Interessantes, ambos da Companhia das Letras). Cochilo sério porque trava um dos objetivos fundamentais de livros como este, que é o de remeter o leitor para o exame direto de obras do autor enfocado.

Já o livro da Bertrand Brasil sobre os pensadores contemporâneos preocupa-se em fornecer as indicações da bibliografia disponível em português (nem sempre, já que por exemplo não cita traduções brasileiras de livros como Prismas ou Minima Moralia, de Adorno, disponíveis em edições da Ática). E, além disso, é melhor estruturado. As duas seções iniciais vão de Bachelard, Canguilhem, Freud, Mauss e Merleau-Ponty (nomes que construíram as bases do estruturalismo) até as figuras-chaves mais associadas a ele, como Althusser, Bourdieu, Gérard Genette, Jakobson, Lacan, Lévi-Strauss e Michel Serres.

 A seqüência cronológica segue com o pensamento pós-estruturalista, no qual brilham Bataille, Deleuze, Derrida, Foucault e Levinas; e desemboca na semiótica, na qual vale a pena, por exemplo, ler o pequeno mas rico perfil de Roland Barthes. As seções seguintes abordam o pós-marxismo (Adorno, Arendt, Habermas e o amigo de FHC Alain Touraine); a Modernidade (Walter Benjamin, Blanchot, Nietszche e Sollers) e alcançam até a Pós-Modernidade (Baudrillard, Duras, Kafka e o sumo-sacerdote do movimento Jean-François Lyotard). Trata-se, portanto, de uma bem-sucedida tentativa de levar o leitor a situar-se com alguma segurança nesta floresta cerrada de conceitos que tentam explicar o mundo, nosso destino e nosso futuro.

Pelo contrário, justiça seja feita, o objetivo de 50 Pensadores da História é cronológico. Isto é, vai do pai dos historiadores, o grego Heródoto (484-424 aC.), até Francis Fukuyama, nascido em 1952, que decretou O Fim da História, em um polêmico livro poucos anos atrás. E, detalhe fundamental, se esquecermos a falta de indicação bibliográfica em português, o livro é excepcional. No capítulo sobre Hobsbawm, por exemplo, Marnie Hughes-Warrington consegue sintetizar sem empobrecer a postura deste formidável pensador, que nos últimos anos vem se desnudando de modo fulminante para seus leitores em autobiografias de uma honestidade pessoal e intelectual inatacáveis.




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