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A frase é polêmica e revela a indignação de um dos principais nomes, nos bastidores, dos clubes do Grande ABC nos últimos 30 anos. Sergio do Prado é, como diretor, gerente de futebol ou diretor administrativo, especialista na coordenação de departamento responsável por contratações, cuidar de questões jurídicas (contratos, julgamentos), logística etc. Foi assim, por exemplo, no Santo André, onde trabalhou por 20 anos e no qual integrou o staff na conquista da Copa do Brasil de 2004. Durante os 35 no esporte, trabalhou com treinadores de destaque nos cenários regional, nacional e internacional, casos de Luís Carlos Martins, Luiz Carlos Ferreira (morto em 2020), Vanderlei Luxemburgo e Luiz Felipe Scolari, e atletas de renome, como o ex-goleiro Marcos. Apesar do sucesso na profissão, o dirigente se mostra temeroso quanto ao futuro dos clubes. Critica a substituição do “dirigente raiz” por executivos sem identidade com as agremiações, o que seria um dos fatores responsáveis pela queda de qualidade dos elencos e pelas dívidas ao longo dos anos, o que põe em risco até a sobrevivência das instituições.
RAIO X
Nome: Sergio Fernando do Prado
Aniversário: 6 de novembro
Onde nasceu: São Carlos (SP)
Onde mora: São Paulo
Formação: Educação Física
Um lugar: Roma
Alguém que admira: Minha esposa
Um livro: Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos
Uma música: Pai, de Fábio Júnior
Um filme: A Vida é Bela, de Roberto Benigni
Ao menos 65 clubes já adotaram a SAF (Sociedade Anônima de Futebol) no Brasil. É possível dizer que o modelo é a salvação do futebol diante das dívidas das agremiações?
A SAF é consequência de uma série de coisas. O que acontece? Houve mudanças de gerações no comando dos clubes de futebol. Os times do Interior, principalmente, eram dirigidos por pessoas da própria cidade, que serviam às agremiações e que tiveram passagens vitoriosas. Além de ter o conhecimento de futebol, aquele presidente, à moda antiga, se perpetuava no cargo. Tinha mais prestígio que um prefeito.
Quais, por exemplo?
O Wilson de Barros (morto em 2008) no Mogi Mirim. O América de Rio Preto tinha o Birigui (Benedito Teixeira, morto em 2011). No Guarani, Beto Zini; no União São João, o Zé Mário Pavan; Na Ferroviária, o Parelli (Antônio Parelli Filho, morto em 2022). Esses presidentes, que eram personalidades porque tinham influência na sociedade, acabaram.
E no Grande ABC?
O maior representante foi o Jairo Livolis (ex-presidente do Santo André, morto em 2017). Por que o maior? Porque ele ganhou a Copa do Brasil. Os clubes do Grande ABC tiveram grandes dirigentes, mas o Jairo marcou por causa da conquista. No futebol, quem ganha, presta; quem não ganha, não presta. A verdade é que os grandes dirigentes foram desaparecendo. É questão de geração mesmo.
E com isso?
Surgiram novos presidentes, competentes, mas que não tiveram grandes conquistas. E, em busca de bons resultados, eles recorreram a quem? Aos executivos. Antigamente, os diretores de futebol seguiam a linha do presidente, eram colados nele. Defendiam o clube, as finanças. Os diretores de futebol, os verdadeiros braços-direitos do presidente, eram parceiros do clube. Compravam a dor nas derrotas, vibravam nas vitórias. Ao passo que a grande maioria dos executivos de hoje apenas visa dinheiro. Claro que não se pode generalizar. Mas são iguais a jogadores de futebol, não têm ligação afetiva alguma com o clube, não tem vínculo. Mudam de lugar a toda hora.
Há bons profissionais?
Vou citar três grandes executivos que se perpetuam ao longo dos anos nos clubes, que eu conheço e que, sim, são as maiores referências que tenho. Cícero Souza, no Palmeiras; Michel Alves, no Guarani; E Toninho Cecílio, que também ficou por anos no Palmeiras e que, desde 2024, está no Botafogo. São pessoas que têm a imagem do presidente, trabalham como se fossem o presidente. Eles são parte do presidente. Já, atualmente, 90% desses executivos são pessoas que estão lá para, além de dinheiro, ganhar prestígio. Se servem dos clubes. Por isso que o futebol afundou.
Qual a saída?
O mundo corporativo trouxe a figura do CEO, e é aí que está a sacada. São pessoas estudadas, mentes brilhantes, inovadoras, motivadoras e criadoras. Então, o mundo dos negócios subiu que nem foguete. O futebol não trouxe CEO. Trouxe executivo. Eram profissionais de clubes, diretores, gerentes, supervisores que assumiram o cargo. Bonito no nome, mas difícil na execução de alavancar o clube, de abraçar o presidente, de vestir e honrar a camisa. Eu não consigo encher duas mãos com nomes de executivos de verdade. Os presidentes de clubes perderam o seu braço-direito: o executivo de verdade.
É correto afirmar que a SAF é resultado da incompetência das gestões ou tendência mundial?
Eu não diria incompetência. É resultado da crise administrativa, financeira e política dos clubes. Tem presidente competente que herdou problemas e que não pode ser taxado por incompetente. Ele é refém de uma crise administrativa, política e financeira. Dessas crises, qual é a pior, a que mata os clubes? A crise administrativa. Crise política? Elegeu para o mandato de três, quatro anos, acabou. Crise financeira? Entra patrocinador, não sei o que, o clube se vira. Agora, crise administrativa é o maior mal do futebol. Fica mais difícil resolver e pode levar anos.
Qual a sua opinião sobre a presença de mulheres em cargos diretivos no futebol, como é o caso da presidente Leila Pereira, no Palmeiras?
É aquilo que eu falei de presidentes: eles tiveram conquistas. A Leila teve conquistas. Independentemente de sexo, vale a competência. E ela tinha o Cícero Souza por trás. Pegou um executivo bom, alavancou. Porque o presidente de clube não é obrigado a entender totalmente de futebol. Tem que entender de administração.
Como analisa o momento das agremiações da região?
Os resultados dos clubes hoje estão diretamente ligados à administração. Então, se está bom, está bem administrado. Se está ruim, cada um faz seu juízo. O futebol da região está no nível mais fraco dos últimos tempos. Cabe agora às administrações, com SAF, sem SAF, com executivo, sem executivo, serem competentes para reagir. Este ano, para o Grande ABC, tem sido um horror (Água Santa foi rebaixado no Paulistão, o Santo André não subiu na A-2 e o São Caetano, na A-4). Mas nada impede que, com o tempo, venham dirigentes novos. Isso é ideal, porque a região é muito forte.
E o Santo André?
O Santo André requer uma SAF. O São Caetano é SAF. O São Bernardo é SAF. Cada clube é uma história, mas o Santo André é um dos únicos que não são SAF na região. Como que faz para vir dinheiro?
Como analisa o nível do futebol brasileiro?
O futebol mudou. Hoje, não adianta você ter um monte de meia habilidoso, porque ele não vai jogar. Hoje o futebol é força. Em campo se corre o dobro do que se corria antigamente. E se você montar um time de craque, não vai chegar a lugar algum, porque eles vão ser atropelados. Hoje, se você vai num campo de favela, se o jogador começar a driblar, o treinador tira ele. Ele vai falar ‘toca, toca, toca’. Hoje, jogadores como Messi, Neymar, esse monte de craques, tende a sumir. Hoje a técnica deu lugar à força. Isso é no mundo todo. Então, não quer dizer que o Brasil não revela mais atletas.
E em relação aos técnicos estrangeiros, que conquistaram espaço importante no País?
Acho válido, porque eles estudam muito mais que os nossos. O treinador estrangeiro passa por todas as fases (de preparação). Ele não trabalha se não tiver conhecimento profundo para poder ensinar, igual um professor de faculdade. Quando eu fiz faculdade (Educação Física), tinha professor que tinha pouco conhecimento científico e muito prático, e eram ótimos professores. Hoje eles não dariam aula. É a seleção natural das coisas. Hoje, se o professor não tiver um currículo, uma série de requisitos para dar aula, ele não dá aula. Ele pode ser um gênio para ensinar, mas ele não entra numa universidade.
Você acha que falta atualização aos treinadores brasileiros?
É, estudar mesmo. O maior prejuízo para os treinadores hoje se chama auxiliar técnico. Eles não têm auxiliares técnicos que confrontem eles, que os façam crescer. Mesmo porque quem traz auxiliar é o treinador, então é assistente. Nós (Santo André) ganhamos a Copa do Brasil. Tivemos a sorte de ter o (Péricles) Chamusca expulso (na final) e o Sérgio Soares (auxiliar técnico do clube) à frente. com todo conhecimento do elenco e firmeza, foi fundamental na conquista do título.
Quais os principais treinadores e jogadores com quem você atuou?
O (Vanderlei) Luxemburgo foi o melhor técnico com quem trabalhei. Teve o Muricy (Ramalho) também. E ainda o Felipão (Luiz Felipe Scolari). E, como jogador, o Marcos, porque o que ele era grande em campo, ele era maior fora.
O que pode falar sobre o Guarani, onde ficou por dez anos no total?
Um clube maravilhoso. Mas o que é o Guarani? É um conselho de administração formado por um presidente e seis vices. É controlado por um executivo (Rodrigo Pastana) que não tem vínculo algum com a agremiação, que fala para todo mundo ouvir que está lá para ganhar dinheiro. Então, imagine o Guarani, com toda a sua grandeza, ficar na mão de executivo que tem essa mentalidade. O que acontece? Crise administrativa profunda.
Os resultados em campo demonstram isso?
Em junho de 2024, eu falei com o superintendente do Guarani, Danilo Silva, que com as mudanças de gestão que houve, com a vinda do Pastana, nosso decreto (rebaixamento) estava cravado. Isso eu falei na 14ª rodada. Em junho, eu já sabia que o clube cair. Por quê? Porque esse Conselho de Administração passou todo o poder para um executivo que tem esse tipo de mentalidade. Não sei se está acerto ou errado, cada um vê de uma forma. Mas deu no que deu. Em clubes que não têm Conselho de Administração atuante, que os defende, só tem um caminho: é trocar o Conselho de Administração por um ‘Conselho de Salvação’, com letra maiúscula. Para depois buscar uma SAF. Mas é fato que a SAF que entrar ali vai pegar terra arrasada. Saí de lá no fim de 2024.
O que está fazendo agora, Sergio?
Desde dezembro estou trabalhando num projeto esportivo do governo do Estado de São Paulo. É um campeonato que vai surgir lá no fim do ano. Ainda será divulgado.
Pensa em voltar para o futebol?
Estou vendo algumas situações. Se surgir no futebol algo que me dê gosto de voltar, volto. Independentemente de salário.
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