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A decisão do Supremo Tribunal Federal e a “emancipação” dos maiores de 70 anos por escritura pública
Thomas Nosch Gonçalves*
07/02/2024 | 07:00
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O objetivo do presente artigo não é discutir e apresentar divergências na interpretação da Suprema Corte em relação à constitucionalidade ou inconstitucionalidade da imposição da separação obrigatória, muito menos nos métodos de interpretação conforme a constituição, com ou sem redução do texto formal. O propósito é apresentar aos leitores a visão prática, sem preciosíssimos jurídicos, o que realmente muda na vida do cidadão, ainda com uma eventual necessidade de pequenos reparos após a publicação formal de decisão.


Pensando na visão prática, não poderia deixar de começar esse texto lembrando os leitores da famosa expressão – seguramente todos já ouviram – “esse casamento é golpe do baú” ou  “casamento de interesse", expressões estas que sempre estiveram presentes no cotidiano, notadamente nos casos do casamento de pessoas mais idosas.

Até por isso, sem relembrar nas Ordenações Filipinas (1603) ou próprio Código Civil anterior (1916), sempre tivemos previsão etária na imposição de uma proteção patrimonial. E aqui, repito, sempre teve objetivo de proteger o contraente do casamento e nunca de discriminar.

No entanto, o direito e a sociedade mudam constantemente. Prelecionava o Professsor Miguel Reale sobre a teoria do tridimensionalismo do direito (fato, valor e norma), que basicamente significa uma relação de interdependência da criação da lei, por meio de valores criados por fatos pretéritos.

Pois bem, o fato é que o artigo 1.641 do CC versa:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;  

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Dessa forma, até ontem (02 de fevereiro de 2024), toda pessoa maior de 70 anos não poderia escolher seu regime de bens, sendo imposto a separação obrigatória por Lei.


Pois bem, na sessão de 1º de fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF),  ARE 1.309.642/SP, Pleno, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 1º/02/2024,  decidiu: nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública. Vale lembrar que,  por meio da escritura pública é possível emancipar o menor de 16 anos, que também “emancipará” o maior de 70 que deseja mudar seu regime de bens.

Apesar de o inteiro teor dos votos ainda estar pendentes de publicação, foi possível acompanhar os debates dos Ministros na sessão por meio da TV Justiça1. 

Ainda sobre a menção da “escritura pública”, deve ser festejado essa segurança jurídica, na qual faz a escritura pública prova plena, instrumento de pacificação social e garantia dos direitos fundamentais.

Diante da importante decisão, de maneira objetiva, foi decidido que o regime de bens da separação legal (separação obrigatória) pode ser afastado por escritura pública, afirmando assim ser inconstitucional a pessoa maior de 70 anos não poder escolher o regime de bens. Em que pese as críticas, vale lembrar que sempre puderam fazer testamentos, doações ou até “holdings familiares", atingindo o objetivo almejado de gestão patrimonial. 

O regime da separação legal poderá será afastado nas seguintes situações: 

a) por escritura pública de pacto antenupcial ou – no curso do casamento – por meio do procedimento legal de alteração de regime de bens (art. 1.639, § 2º, CC; art. 734 do CPC); 

b) ou ainda, mediante escritura pública lavrada antes ou no curso da união estável. 


Sobre esse último ponto (o da união estável), não se aplica a regra geral do art. 1.725 do CC, que admite instrumento particular para a escolha de regime de bens no caso de união estável, haja vista que o Supremo Tribunal Federal, encampado na segurança jurídica em detrimento da prova plena por meio escritura pública, exigiu sua lavratura. 

Aliás, função precípua do tabelião na colheita de manifestação de vontade, atuando com juízo prudencial, acautela e protege toda sociedade, notadamente os vulneráveis que poderão estar expostos. 

Nesse contexto, inclusive, o Estatuto do Idoso prevê crime pelo tabelião de notas que lavra escritura por idoso incapaz, até por isso que a decisão se compatibiliza com as responsabilidades do tabelião de notas. 

No caso de casamentos ou união estável anterior ao supracitado julgado do STF sob o regime da separação legal, é direito dos consortes mudar o regime de bens na forma acima.

O Professor Carlos E. Elias de Oliveira2, Consultor Legislativo do Senado, apontou alguns pontos sensíveis a serem enfrentados à vista do supracitado julgamento do STF, nos quais destaco: 

    1. Não foi extinto o regime da separação legal e nem se confunde com a separação convencional;

    2. Alterado o regime nos termos da conjugalidade, altera-se os efeitos sucessórios;

    3. O afastamento do regime de separação legal é apenas no caso dos maiores de 70 anos;


O autor ainda conclui que há dois regimes legais supletivos, assim batizados, porque vigoram se não tiver havido escolha de outro regime pelos consortes pela forma legalmente cabível. São eles:

a) o regime da separação legal de bens envolvendo os maiores de 70 anos (art. 1.641, II, CC);

b) o regime da comunhão parcial de bens, que se aplica aos demais casos em que se admite a liberdade de escolha do regime de bens.


Além disso, há um regime legal cogente: o regime da separação legal, que é a obrigatória de bens, envolvendo suprimento judicial ou violação de causa suspensiva (art. 1.641, I e III, CC). Nesses casos, os consortes não podem afastar esse regime por ato de vontade.

Como se vê, o regime da separação legal pode ser cogente ou supletivo, a depender da sua origem.

Por fim, posso resumir aos nossos leitores que os maiores de 70 anos poderão casar-se livremente, ou contrair união estável em qualquer regime de bens, com a prévia atuação do tabelião notas, que poderá sim, por meio da aferição da manifestação das partes, aferir a real vontade das partes, mediante uma prévia orientação jurídica, evitando assim o “golpe do baú", e notadamente garantido a livre autonomia da vontade. 

*Thomas Nosch Gonçalves

Mestre em Direito pela USP, pós-graduado em Direito Civil pela USP- Faculdade de Direito de Ribeirão Preto. Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela Escola Paulista da Magistratura de São Paulo (EPM). Ex - Advogado, atuou voluntariamente na 2 Câmara de Direito Público do TJ/SP. Registrador Civil e Tabelião de notas por mais de 10 anos em SP. Atualmente é o 1º Tabelião de Notas de Santo André/SP - Vice-Presidente da Comissão Notarial IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Diretor Nacional IBDFAM. Diretor do SINOREG/SP. Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo - Professor convidado em cursos de pós-graduação e professor convidado da disciplina eletiva da graduação "Fundamentos de Direito Registral" da USP - FDRP. Instagram: @thomasnosch E-mail: tabeliao@1tabeliaosa.com.br 




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