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População de rua: São Bernardo segue desobedecendo decisão do STF

Prefeitura continua recolhendo pertences de moradores; última ação aconteceu na quarta-feira, em Santa Terezinha; movimento registrou BO

Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
12/01/2024 | 07:00
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Sérgio Aparecido Silva, morador em situação de rua, contou que levaram todos seus pertences (FOTO: Claudinei Plaza/DGABC)


“Levaram tudo que eu tinha, roupas, cobertor, colchão e até o plástico que usava para me abrigar da chuva. Por conta do temporal, acordei todo molhado, e não tenho mais o que vestir”, disse Sérgio Aparecido Silva, 44 anos, morador em situação de rua que teve seus pertences retirados pela Prefeitura de São Bernardo. A ação de remoção, que é proibida desde junho do ano passado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), ocorreu na última quarta-feira (10), na Avenida Luiz Pequini, no bairro Santa Terezinha.

Segundo denúncia do Movimento Nacional da População de Rua do Grande ABC, funcionários do Paço, acompanhados de agentes da GCM (Guarda Civil Municipal) apareceram no local no início da tarde e recolherem os pertences de seis pessoas que dormiam no espaço. Entre os itens retirados dos moradores estavam roupas, documentos, colchões, cobertores, entre outros.

“Trabalho com reciclagem, não tenho dinheiro para pagar um aluguel, e agora nem o meu colchão tenho mais, estou dormindo na terra. É muito triste isso, tentei argumentar, explicar que eram as únicas coisas que tinha, mas não adiantou. Eles (funcionários) vieram na frente e os guardas atrás, para que nós nem pudéssemos lutar pelo que é nosso”, desabafou Silva, que espera receber doações de roupa e comida da vizinhança para continuar sobrevivendo.

Após receber os vídeos da ação de remoção, gravados por uma moradora do bairro, o coordenador regional do movimento, Thiago da Silva Quintanilha, registrou um BO (Boletim de Ocorrência), no 6° DP (Distrito Policial) de São Bernardo. A SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que a Polícia Civil investiga o caso, isso porque a ação da Prefeitura contraria a decisão do STF que determinou uma série de medidas para proteção e garantia de direitos das pessoas em situação de rua.

Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes ordenou que os estados e os municípios não podem realizar o recolhimento forçado de pertences e remover compulsoriamente pessoas em situação de rua, e também proibiu obras com arquitetura hostil (estruturas que impedem acesso de pessoas a espaços públicos).

O coordenador regional denuncia ainda que, desde a decisão do STF, o Executivo continuou realizando diversas ações de recolhimento de pertences de moradores em situação de rua no município. Em agosto do ano passado, o Diário mostrou uma operação realizada na Avenida Brigadeiro Faria Lima, no Centro. Na ocasião, equipes da limpeza urbana de São Bernardo retiraram colchões, bolsas e cobertores de pessoas que estavam abrigadas em frente a um estabelecimento comercial.

CONSEQUÊNCIAS

O advogado da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Bernardo, Jaime Fregel, explica que, por conta da decisão do Supremo, a administração são-bernardense pode ser responsabilizada pela ação de remoção de pertences.

“O delegado se prontificou a instaurar o inquérito policial criminal para apuração da responsabilidade do agente público, no caso, a Prefeitura. A partir daí, o Ministério Público pode notificar o Paço e acionar diretamente o poder judiciário para o cumprimento de possíveis penas, conforme a gravidade”, explicou.

Fregel levou o BO ao conhecimento do promotor de Justiça de Inclusão Social de São Bernardo, Abner Castorino, que deverá acompanhar o caso. 

“Se tem uma lei, no caso uma ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental), em vigência, e você descumpre, então comete abuso de autoridade. Claro que isso será apurado e decidido pela Justiça”, finalizou.

Ministério Público diz que comunicou Prefeitura durante reunião de secretários

Sobre a ação contra o morador em situação de rua em São Bernardo, o MP (Ministério Público) informou que, em setembro do ano passado, durante reunião com os secretários de Assistência Social e de Serviços Urbanos do município, comunicou sobre a proibição desse tipo operação na cidade, tratanto, inclusive, sobre a decisão do STF. “Na ocasião, os secretários foram orientados sobre compatibilizar o serviço de zeladoria urbana com a preservação dos pertences pessoais das pessoas em situação de rua, bem como foi discutido se na eventualidade fosse retirado algum pertence pessoal que o artigo fosse disponibilizado no Centro Pop para retirada pelo morador de rua”.

O MP explicou ainda que, em caso de descumprimento das orientações, poderá ser registrado um BO para apuração de eventuais práticas de abuso de poder, e ocorrendo reiteradas apreensões irregulares, existe a possibilidade de ajuizamento de ação civil pública.

Procurada, a Prefeitura de São Bernardo não se pronunciou sobre o caso.




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