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Livro reúne cartas de Drummond e Mário de Andrade
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
29/03/2003 | 22:18
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Em 1982, por meio de A Lição do Amigo (Record), Carlos Drummond de Andrade já tinha publicado as cartas que recebera de Mário de Andrade durante 21 anos, entre 1924 e 1945 – período de duração dessa amizade algumas vezes qualificada por ambos de mais intensa, do ponto de vista epistolar, do que no curto tempo em que o paulista Mário morou no Rio, bem perto da casa do poeta mineiro de Itabira. Mas somente agora a correspondência completa é publicada em Carlos & Mário, primorosa edição que contém as cartas de ambos.

É um real trabalho de ourivesaria e pesquisa minuciosa, tanto literária quanto histórica e iconográfica (praticamente todos os locais, pessoas e fatos citados nas cartas são objeto de ilustrações). Pena que o preço seja tão salgado. Por mais luxuoso que seja, é complicado desembolsar R$ 190 pelo livro de 614 páginas da Editora Bem-Te-Vi. A organização da obra é de Lélia Coelho Frota e seu ponto de partida foi mesmo A Lição do Amigo, trabalho no qual Drummond apresenta sua correspondência passiva com Mário.

Custos à parte, o livro é notável. A começar pelo ótimo ensaio de apresentação, assinado pelo refinado Silviano Santiago. “Passaremos por experiência única, a de penetrar na intimidade de dois entre os gigantes do movimento modernista brasileiro. Para o acesso à letra de cada carta deles, temos de simular um ritual estorvado e vergonhoso. Interceptemos o carteiro na sua caminhada matinal. Furtivamente, retiremos da sua bolsa uma carta, que não nos é endereçada. Escrita por Carlos e enviada a Mário; escrita por Mário e enviada a Carlos. Violemos o lacre feito de goma arábica e, como voyeurs, entremos na intimidade dos dois correspondentes e amigos. Pé cá, Carlos; pé lá, Mário”, afirma Santiago.

Confidências sobre profundas sensações, irrequietas emoções e principalmente a “alta tensão no dramático confronto de idéias”. Esta viagem maravilhosa, que nos põe perto, muito perto do dia-a-dia criativo destas duas cabeças privilegiadas, começa com Drummond adotando a postura do aluno que quer ouvir o mestre, em 1924. Já no fim daquela década o poeta começa a travar um duelo dialético com Mário e, na década final, ambos surgem majestosos em seus universos artísticos tão peculiares.

Exemplo notável do início desta amizade epistolar é quando Mário, já de cara, tenta doutrinar o jovem mineiro para suas teses nacionalistas. Carlos, europeu até a medula, reage violento, chamando o Brasil de “infecto” e que nasceu no lugar errado. Mário contra-ataca também ferino: “Os tupis nas suas tabas eram mais civilizados que nós nas nossas casas de Belo Horizonte e São Paulo. Por uma simples razão: não há Civilização. Há civilizações”. Grande lição – uma das centenas que afloram a cada carta, a cada expressão de carinho mútuo, e a cada debate virulento.




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