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Como uma das principais lideranças religiosas da região, o bispo diocesano de Santo André e colunista quinzenal do Diário, dom Pedro Carlos Cipollini destaca a relevância da tradição natalina para além das marcas da pandemia e da mudança tecnológica.
Na reta final de 2023, ele faz um diagnóstico do ano que termina e o que a Igreja Católica no Grande ABC espera para o próximo capítulo de 2024.
Entre as pautas a seguir, o bispo destaca ainda o cenário político municipal e o recente anúncio do papa em abençoar casais do mesmo sexo.
Nome: Pedro Carlos Cipollini
Idade: 71 anos
Local de nascimento: Caconde (SP)
Formação: Doutorado em Teologia
Hobby: Leitura
Local predileto: Campos do Jordão (SP)
Livro que recomenda: As Chaves do Reino, de H. Cronin;
Personalidade que marcou sua vida: O cardeal dom Paulo Evaristo Arns
Profissão: Religioso;
Onde trabalha: Diocese de Santo André
Pela característica tradicional, é comum observar quem aproveite a data de hoje sob a ótica dos presentes ou nascimento de Cristo, mas sempre há espaço para opiniões e experiências particulares. Então, para início de conversa, na opinião do sr., onde a celebração se encaixa neste espaço e o que o Natal realmente significa para o senhor?
Quando eu era criança, meu pai sempre colocava um presente de Natal ao lado da minha cama e na de meus irmãos. Só de manhã, quando acordávamos, víamos o embrulho e ficávamos em dúvida se era o Papai Noel ou nosso papai mesmo (risos). Até que um ano ele me deu um presépio dentro de uma bela caixa. E fiquei encantado, lembro com clareza como me marcou. Desde esta lembrança, o Natal é uma época maravilhosa para mim porque comemora o nascimento do Filho de Deus que se fez homem para salvar e comunicar o amor de Deus por nós. Sou grato, porque hoje celebro o Natal nas comunidades onde rezo as missas e em casa, de forma simples. Aliás, este ano, aguardo com ansiedade minha sobrinha e seu marido para passarem o Natal comigo. Essa é a essência. Mas acredito que, sim, infelizmente, o significado original do Natal foi se perdendo na nossa sociedade, que se tornou materialista e converteu o período em uma ocasião de consumir e ‘sumir’ – seja no comprar ou viajar. Só que, no fundo, ainda permanece o desejo de fraternidade no íntimo das pessoas, impulsionado pelo clima natalino. Há sem dúvidas um apelo à fraternidade e à poesia que envolve esta data. Porque, no fim, a humanidade tem fome de Deus, da beleza e do amor, sobretudo. E o Natal nos traz exatamente isso.
Posta a mudança desta perspectiva, mas, acima de tudo, a importância do Natal reforçada, o sr. teria algum conselho, alguma dica, para quem não aprecia mais as festas de fim de ano?
Realmente, com a pandemia muitas coisas adquiriram uma nova dimensão. Com ela, perdeu-se em parte a vontade de se reunir e estar junto para comemorar... tudo ficou mais virtual. As constatações são duas: o individualismo cresceu, mas o melhor presente é sempre a presença. Mesmo levando-se em conta as vantagens da comunicação virtual, temos que admitir que nada substitui o contato pessoal. Agora, o clima natalino depende muito de se ter um coração aberto, que se deixa surpreender por Deus, pelo que há de bom na vida. E é fato que o Natal só pode ser compreendido e vivido na fé, ou ao menos num clima de otimismo. Para concluir este pensamento, gosto bastante da frase de um poeta popular: ‘está escuro, mas eu canto’. Não há melhor data neste enquadramento: o Natal nos ensina que, quando a noite se torna mais escura é que começa a clarear o dia.
Mate a curiosidade para os leitores sobre a sua coluna no jornal, a ‘Palavra do Bispo’. Como surgiu a oportunidade? E quais são os frutos observados até o momento?
Escrever no Diário é, para mim, um modo de contribuir e dialogar com a sociedade. Antes, eu já colaborava regularmente em um jornal de Campinas, onde morei por muitos anos. Mas, desde então, já são oito anos para o Diário, com um convite de forma inesperada: quando fui eleito bispo de Santo André, em 2015, um jornalista do Diário, o Nilton Valentim, entrou em contato comigo, solicitando-me o envio de uma mensagem para o povo. Depois fui surpreendido com a proposta de escrever regularmente e prontamente aceitei! Encontro muitas pessoas que dizem apreciar a coluna, outras contam que recortam e guardam os textos. Inclusive, já encontrei uma professora aposentada que disse fazer reuniões com as amigas na própria casa e algumas vezes se serviram dos artigos para iniciar uma conversa. Os frutos disso só Deus sabe, a gente vai semeando e agradecendo sempre a oportunidade!
Aliás, como o sr. foi parar na carreira apostólica? Neste meio tempo, quais são os desafios da trajetória? E apesar deles, o que lhe move a continuar liderando a comunidade de Santo André?
Desde pequeno sempre desejei ser padre. Frequentava a Igreja, me interessava por conhecer a Jesus e este desejo cresceu. Ingressei no seminário com uma rotina intensa de estudo, porque me diziam que um padre deveria conhecer bem não só a Bíblia, mas a sociedade. Fui incentivado, apoiado e, ao virar padre, meus bispos me confiaram para trabalhar em várias atividades – de forma que assumisse responsabilidades ainda maiores. A partir disso, entendo que as etapas de nossa vida trazem, a cada fase, os próprios desafios, dúvidas, mas também vitórias. Na lista das maiores barreiras que enfrentei está a adaptação aos tantos locais para onde fui enviado pelos bispos. Foram desde paróquias em diferentes cantos, até estudar Teologia em Roma. Morar fora do País não é fácil, principalmente estudando em uma instituição exigente, como a Universidade Gregoriana. Para além disso, os desafios de ordem pessoal também contam. Nem sempre você está preparado, mas tem que ir avante. E o que me move a continuar é a fé e amizade com Cristo, o amor pelo Evangelho de justiça e paz, para viver e anunciar. Ainda acho importante destacar que o povo de Santo André, do Grande ABC em geral, é solidário, alegre e participativo. E como me identifico com a gente daqui! Tenho alegria em encontrá-los, tanto que visitei todas as 106 paróquias de nossa Diocese e as 255 comunidades, nos sete municípios do Grande ABC, para rezar missa, conversar e confraternizar. Admiro o senso de responsabilidade, trabalho e vontade de encontrar soluções para as dificuldades que quem vive aqui tem. Sobretudo, me surpreendem a resiliência e o otimismo, mesmo com as injustiças que existem e já poderiam ter sido superadas.
O que a Igreja Católica espera para as eleições de 2024? Aliás, como foi o relacionamento com as atuais gestões?
Esperamos eleições menos polarizadas. Desejo que as pessoas voltem a acreditar que a política é uma forma de resolver os problemas da sociedade, e não o conflito e a violência – mesmo com políticos que deixam a desejar, por não terem vocação e acabar fazendo dela um meio de vida. Destaco que o relacionamento com a atual gestão aqui de Santo André foi positivo.
Na última semana, o papa Francisco afirmou que passará a permitir que padres concedam bênção a casais do mesmo sexo. Como a Igreja encara esta questão? Acha que as religiões precisam avançar ou recuar em tais pautas?
A permissão para estas bênçãos está causando polêmica. De um lado, estão os que acusam a medida de relativismo; de outro, os que a veem como uma atitude misericordiosa. O importante é que esta permissão não alterou a doutrina com base na Bíblia: para a Igreja Católica, casal e matrimônio é somente entre um homem e uma mulher. Esta bênção não é litúrgica nem sacramental, não pretende legitimar uniões homoafetivas. A intenção é acolher as pessoas, mesmo estando em tal situação. O papa quer, portanto, demonstrar que não compactua com a eliminação violenta deste público. É o que acontece em muitos países, onde os homossexuais vão para a prisão ou nos locais em que há pena de morte. Vale destacar que na Inglaterra o homossexualismo somente deixou de ser crime passível de prisão há poucos anos. Inclusive, no Brasil, ainda é alto o número de assassinatos de homossexuais. Por fim, vejo a permissão para esta bênção como um apelo à tolerância e não como aprovação.
Nos momentos finais de 2023, qual palavra usa para definir este ano? E por quê?
Este ano foi ‘cansativo’. Sinto essa atmosfera nas pessoas, por inúmeros motivos. Os problemas sociais que existem, desde a crise climática, violência, insegurança alimentar, para não dizer fome, e os problemas na área da saúde, não para menos, deixam as pessoas desanimadas. Principalmente esta falta de perspectivas é notória. Antes se dizia que o Brasil era o País do futuro e agora parece que é um País sem futuro, especialmente para as crianças e os jovens – basta ver a situação em que está a educação. Para o próximo ano, a frase será um lembrete, o de que precisamos caminhar de esperança em esperança.
O que podemos aprender com este ano? Que mensagem o sr. deixa ao ciclo que se inicia?
A perseverança, ela é sempre um aprendizado. Em olhar para trás e pensar que, com Deus, tudo sempre pode ser diferente. Falo isto com uma certeza e não como uma hipótese. Quando o menino Deus nasceu, houve luz para brilhar em qualquer espécie de escuridão. Costumo sempre dizer que esta é uma constatação histórica que dura há mais de 2.000 anos. Sendo assim, a mensagem que podemos carregar para 2024, apesar de qualquer cenário, é, por incrível que possa parecer, a gratidão. É ela que justamente introduz a vitória da graça, mesmo com sua simplicidade extrema.
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