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‘O plástico sempre foi solução, não um problema’
Beatriz Mirelle
27/11/2023 | 08:15
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FOTO: Divulgação

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A readequação de um modelo de negócio que se adaptasse às tendências sustentáveis do mercado é uma movimentação recente na Braskem, empresa brasileira que atua nos setores químico e petroquímico. A diretora de Economia Circular na América do Sul da companhia, Fabiana Quiroga, afirma que estar alinhada às demandas sociais é uma questão de sobrevivência para as corporações. Para a advogada, incluir a economia circular, que é tema do 17º Desafio de Redação do Diário, como base da cadeia produtiva garante a queda da extração de resíduos finitos, incentiva o uso de energias renováveis e visa frear os prejuízos do consumo exagerado e descarte incorreto. 

 Quando a sra. começou a trabalhar na área jurídica do Polo Petroquímico da Braskem? 

Com oportunidade e propósito unidos, eu fiz uma transição. Trabalho há 22 anos no Polo Petroquímico, 16 deles foram dedicados à área jurídica. Agora, lidero a área de economia circular há seis anos. Fiz essa transição de carreira porque consegui unir meu propósito na empresa com a oportunidade que surgiu. A economia circular está muito alinhada com a minha atuação no jurídico na busca por soluções aos problemas e o propósito de deixar um legado maior para a sociedade.


Como surgiu a chance de atuar com sustentabilidade? 

Dentro da área jurídica, eu já tinha trabalhado com direito ambiental, discussão de logística reversa, entre outras áreas. Em 2016, fizemos uma avaliação de como deveria ser a atuação da Braskem nos anos seguintes. Até então, a reciclagem que havia dentro da Braskem era vista como algo competitivo. Por que uma indústria que produz resina virgem entraria no mercado de recicláveis? Com essa questão, entendemos que fazia sentido reformular nossa atuação ainda mais pelas tendências globais e a responsabilidade da companhia de endereçar o resíduo plástico. Eu participava desse grupo como advogada e entendi que tinha uma conexão muito forte com o tema. Gosto muito. Para mim, o plástico sempre foi uma solução, não um problema, mesmo estando diante de vários questionamentos sobre esse recurso. Então, era uma possibilidade de mostrar que poderíamos transformar esse desafio em solução.

O que é a economia linear? Quais são os impactos dela ao planeta e aos consumidores?

A economia linear é baseada na extração, produção, consumo e descarte. Isso é algo que desde a revolução industrial tinha como propósitos produzir e consumir cada vez mais. O grande impacto é o aumento da geração de resíduos e a extração de recursos finitos. Temos também o descarte inadequado, que interfere de forma negativa no meio ambiente, além de piorar as questões climáticas. À medida que você produz cada vez mais, a tendência é que seja emitido mais CO2 (dióxido de carbono) ao invés de aproveitar esse recurso no próprio ciclo. Estamos vendo as consequências da economia linear agora, como as bruscas mudanças de temperatura. 

Como a economia circular busca reverter essa situação?

No aspecto de mudanças climáticas, a economia circular é uma prática mais eficiente e com menos impacto ao meio ambiente. Você incentiva a reutilização dos itens. Na origem da produção, já considera a captura energia (eólica, solar) e matéria-prima (biopolímeros) renovável. A economia circular visa também eliminar a geração de resíduos, instigando para que ele seja reaproveitado no processo produtivo e, assim, não seja necessário ter mais extração. A economia circular contrapõe todos os problemas que a a linear trouxe. 

Quais os maiores desafios da adaptação da empresa para sustentabilidade e quais são os pilares de atuação da Braskem dentro da economia circular? 

O primeiro grande desafio é a mudança de comportamento. Isso se aplica dentro e fora da empresa. A Braskem sempre teve o pilar da sustentabilidade dentro da estratégia de negócio. Só no Polo Petroquímico, por exemplo, temos ações antigas, como o circuito fechado de reúso de água e descarte de efluentes. Quando a gente entra especificamente na questão do plástico e na produção de resíduos, faz sentido avançar nessa pauta, mas, internamente, a reciclagem não era algo em que a Braskem entendia que deveria atuar de forma intensa. Então, foi necessário reformular nossas ações. Era uma oportunidade de oferecer um portfólio mais sustentável já que tinha essa demanda da sociedade. Não podemos tratar o plástico como algo negativo. Esse é o principal material da companhia. O que precisávamos era trazer uma solução. A partir do momento que você resolve questões como descarte, o plástico passa a ser a melhor opção. Ele é leve, acessível, tem durabilidade e inúmeras possibilidades de utilização. Alinhamos com todo o conselho, diretores e funcionários para que acreditassem nessa mudança, investindo em uma série de iniciativas que visam trazer a consciência da utilização correta do plástico. O segundo desafio foi conhecer o mercado de reciclagem, porque não tínhamos atuação nele. É mais informal, tem pequenos fornecedores. Era uma realidade diferente da Braskem. A partir disso, definimos claramente a estratégia de atuação com modelos de negócio diversos, criamos um ecossistema de circularidade com produtos que fossem alinhados a essa meta. Quando falamos de reciclagem química, que é a transformação do resíduo plástico em uma matéria-prima para a Braskem, a gente substitui a nafta, que vem do petróleo, por uma matéria-prima que é um óleo vindo do plástico. Tudo isso precisou também de desenvolvimento tecnológico para funcionar. 

Como o design dos produtos se adequou a essas movimentações da empresa? 

O design circular mostra que desde a concepção da embalagem é necessário pensar na sustentabilidade. Fizemos um hub chamado Casulo para que nossos clientes pudessem trabalhar com designers para fazer a embalagem planejando até o fim da vida útil desse produto, como é possível usar o material reciclável e prever todos os possíveis impactos logo no início da tomada de decisão. Temos várias iniciativas no Grande ABC para mostrar a importância do descarte adequado e engajamento com o consumidor. É um trabalho de formiguinha com várias iniciativas, desde ações educativas de consumo consciente até atividades em festivais de música, como The Town e Rock In Rio, para incentivar a troca de resíduos plásticos por brindes. Foi uma forma que encontramos para mostrar o valor dessas atitudes. 


Nome: Fabiana Quiroga

Idade: 44 anos

Local de nascimento: São Bernardo, cidade onde mora 

Formação: Advogada pela Faculdade de Direito de São Bernardo

Hobby: Fazer yoga

Local predileto: Minha casa 

Livro que recomenda: A Nossa Única Casa: Um Apelo ao Mundo pela Necessidade Urgente de Cuidarmos da Terra, do Dalai Lama

Personalidade que marcou sua vida: Fernanda Montenegro

Profissão: Diretora de Economia Circular na América do Sul 

Onde trabalha: Braskem

Para a sra., as empresas que não se adequarem às práticas sustentáveis e à economia circular perderão valor no mercado?

Sem dúvidas. Não considerar ações que priorizam ESG (sigla para sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) é pôr em risco o futuro da empresa. Temos que incluir nos planos de negócio os impactos para a comunidade onde atuamos. Pensando enquanto indústria, se tivermos escassez de água e matéria-prima, como vamos sobreviver? As empresas não podem mais ignorar esses problemas. Os impactos que causamos ao planeta estão voltando para nós. Quando olhamos as tendências de mercado, ainda não é uma realidade o cliente escolher só pela sustentabilidade, mas se temos dois produtos com o mesmo preço, o consumidor vai priorizar o que mais ajuda o meio ambiente. Temos o desafio da rentabilidade, mas a reciclagem é uma necessidade. As legislações que estão por vir devem incentivar e ter linhas de financiamento para empresas que aderem ao ESG. A Braskem é uma corporação de capital aberto e temos que apresentar nossas ações de ESG de maneira clara, os investidores estão cada vez mais atentos a esse tópico. Empresas que não se adequarem ficarão para trás no mercado. O mercado de capitais mostra que esse é o caminho para que as companhias evoluam e mantenham competitividade. Essas atitudes também contribuem para ajudar na formalização do trabalho dos catadores. A partir do momento que a reciclagem é desejável, você puxa toda a cadeia e valoriza quem vende e trabalha com esses materiais. Por isso, é fundamental investir em mais infraestrutura para acesso a matérias-primas circulares. 

Neste ano, o tema do 17º Desafio de Redação promovido pelo Diário foi “Reciclar para transformar: como a economia circular pode revolucionar nossa sociedade”. Qual a importância de levar esse assunto à comunidade, principalmente aos estudantes? 

É fundamental promover esse debate nas escolas. Quando trazemos o conceito de economia circular, não é só reciclagem. Falamos de consumo, descarte, reutilização. Quando estimulamos esse conceito para crianças, fazemos com que o comportamento consciente seja mais natural durante toda a vida. Ao invés de ter 10 calças, por que não ter cinco? Questões como essa fazem com que os estudantes repensem práticas. Crianças já se indignam com adultos jogando lixo na rua. Então, os filhos acabam ensinando os pais e isso reflete em toda a sociedade. Ter contato com esse tema é uma forma de moldar comportamentos a partir da educação de base.

Quais são as ações específicas realizadas no Polo Petroquímico junto com as cooperativas e comunidades ao entorno? 

Temos o Plastitroque, com troca de resíduos plásticos por cestas básicas e produtos de limpeza. Com quatro ações no Grande ABC, arrecadamos duas toneladas de plástico e distribuímos 340 kits de alimentação e higiene. Existe o Ser Mais, ação que visa dar melhores condições às cooperativas e gerar mais renda para elas porque esse material que chega aumenta o volume de venda desses profissionais. Damos treinamentos e investimos em equipamentos para proporcionar melhores condições de trabalho. Com o Ateliê Criativo e Costura Criativa, as oficinas de reciclagem ajudam a transformar os materiais em novos objetos, como necessaire, estojo, sacolas, brindes para que a comunidade entenda que a economia circular envolve todos os materiais, não só o plástico. Temos o Braskem Recicla com campanhas de conscientização em Santo André e Mauá, além de programa com 11 escolas do Sesi na região para conectarmos as crianças às nossas ações educacionais. A nova geração vem cada vez mais consciente, precisamos manter isso trazendo mais informação.




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