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Maratona Hospitalar
Rodolfo de Souza
12/10/2023 | 09:47
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 E finalmente uma corrida à clínica se fez necessária, para se averiguar o estado de saúde da pessoa amada, que vinha sentindo fortes dores abdominais.

Uma vez lá, após rápida consulta com direito a apalpadelas nada afáveis na região da barriga, diagnosticou-se crise de apendicite. Falo aqui de inflamação num pedaço inútil que a caprichosa construção genética houve por bem instalar no corpo humano, a título, quem sabe, de conceder um bocadinho mais de charme ao seu interior, ambiente pouco prestigiado no tocante à beleza. O adereço em questão, pelo quase nada que este professor de Português conhece de anatomia, tem residência fixa no intestino grosso e só serve mesmo para, vez ou outra, tirar uma onda com a cara da pessoa, que nunca pensa em sua existência, exceto em momentos de dor forte.

E foi assim que, de posse de uma cartinha bacana, redigida com amor pela médica que primeiro nos atendeu, seguimos, eu e minha mulher, ao hospital onde teve início a maratona que visava tão somente buscar e apressar os meios pelos quais se daria a extirpação da tripa problemática, não sem antes percorrer um estressante caminho burocrático, claro. De guichê em guichê, de balcão em balcão, passando pelos infindáveis meandros de corredores, rampas, escadas e elevadores, corremos com o propósito de resolver, o quanto antes, a questão que ora nos afligia. Lembrando que correr aqui é força de expressão, já que, naquele momento, andar já não era tarefa das mais fáceis. 

E o setor de triagem veio primeiro na extensa cadeia de setores a serem visitados. Em seguida, outro clínico com mãos pesadas também fez uso delas para averiguar o estado da pessoa que penava de dor, e passou a sentir ainda mais após o carinhoso afago na região dolorida. Compreensível até, uma vez que partiu dele a ordem para que se procedesse a outros exames, antes que a paciente fosse finalmente encaminhada para o centro cirúrgico, destino de quem é acometido pelo mal da tripinha indigesta. 

À volta, outras pessoas, carregando nos ombros pesadas sinas, relatavam seus males, os mais diversos, que promovem um desfile de caretas e demais expressões que vão de impaciência a desespero. É ali, enfim, o reduto da dor física que normalmente leva à dor espiritual. 

E os especialistas, sobrecarregados de especialidades, estão por toda a parte, percebo-os na sua agitação para lá e para cá. Sua função não é outra senão levar o seu conhecimento onde de fato ele será útil. Pelo menos é essa a expectativa de quem lá está, carente de solução para o mal que lhe aflige. Deposita, pois, no profissional à sua frente toda a esperança de retorno a uma normalidade subitamente usurpada. 

E entre apertões, tomadas de temperatura e pressão, perguntas sobre isso e aquilo, o hospital, no seu dia a dia, vai diagnosticando, internando, operando, medicando... É de fato o trabalho de quem lida com a dor que enche de ansiedade, uma vez que a tênue linha que sustenta o ser humano cá neste plano, dá ao doente a certeza de sua frágil presença, desde a sua entrada no recinto hospitalar. Mesmo porque, o futuro é incerto e ameaçador, sobretudo, para quem ali chega com o intuito de trazer de volta a vitalidade tão querida, levada um dia pelo tempo e sua mania de consumir vidas.

Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.com




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