Cotidiano Titulo Cotidiano
Aflige-me pensar que...
Rodolfo de Souza
14/09/2023 | 09:07
Compartilhar notícia
Fernandes


Li hoje um poema que nada mais é do que um desabafo, um provável grito de socorro.

Um poema extenso e bem escrito por uma aluna que, a julgar pelas suas palavras, há muito perdera o gosto pela vida. Mal que vem acometendo cada vez mais pessoas nesses tempos modernos, em cujos braços repousam as expectativas de cada um. Qual a razão dessa tristeza crônica? Não se sabe ao certo. É possível mesmo que um conjunto delas forme um coquetel indigesto para a saúde da alma. Talvez a modernidade que nos esfrega na cara diuturnamente a fragilidade e as imperfeições humanas, deixe a desejar no tocante às expectativas. Conjecturas e mais conjecturas me fazem, enfim, mergulhar em reflexões que, vez ou outra, me deixam extenuados como um cão que corre atrás do rabo.

Fato é que aquelas folhas de papel que me chegaram às mãos serviram como um instrumento de clamor, já que ali alguém ousou alçar a voz para cantar toda a amargura que a consome dia a dia. Falava de tristeza, solidão, mundo sem sabor e sem cor. Teria, a menina, encontrado refúgio na arte, toda ela feita de palavras que depositara com capricho na folha do caderno? O companheiro de todos os dias em sala de aula serviu-lhe, afinal, de amigo confidente, para quem é possível abrir-se sem ouvir crítica ou conselho, indesejados comentários em instantes de dor profunda.

Vi, pois, retratada toda a angústia da menina naquele poema sem título, que eu chamaria de “Aflição de toda uma vida”, caso fosse necessário atribuir-lhe um título, exigido pelo professor numa aula de Português.

Mas justamente por lidar fartamente com a palavra é que minha atenção, de súbito, foi atraída e ainda tomada de assalto por aquele texto forte e inquietante que fala de sentimentos obscuros, brotando aqui e ali como erva daninha a bulir com as plantas mais sensíveis. É um desalento que paira no peito dessa gente que, na flor da idade, trava dura batalha contra a dor de se saber organismo que perambula por esse mundo em busca de respostas para perguntas que ainda não formulou e, para as quais, sequer voltou o olhar que se perdeu no alvorecer da vida.

Lembrei-me, inclusive, de ter ouvido, há pouco, o relato, também angustiante, de um homem, um desconhecido, cujo drama de sua filha de somente dezessete anos foi cantado no poema da aluna, verso a verso. Falou até das duas vezes em que a adolescente atentara contra a própria vida. Chegou a desabafar a tristeza da mãe que vem perdendo o juízo, uma vez que não encontra meios para lidar com o problema. Não a culpo, mesmo porque, não deve ser tarefa das mais fáceis entender espírito tão transtornado. Normalmente apela-se para as drogas prescritas pelos profissionais que tratam do cérebro, mas não da alma. São pessoas que falam de distúrbios químicos e coisa e tal.

Todavia, fico meio cético ao pensar nos remédios como única saída para o problema. Parece-me, às vezes, que o corpo físico hospeda uma alma complexa demais para ser tratada como se fosse parte da matéria. Ou será a matéria parte da alma? Meio louco isso, admito, embora digno de alguma consideração.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;