Cotidiano Titulo
Bandido ou mocinho
Rodolfo de Souza
17/08/2023 | 07:00
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Seri


Tudo é alvoroço na favela quando a polícia chega. Quem é do pedaço sabe, por experiência, que uma visita dessas quase nunca inspira cordialidade. Mesmo porque, a segurança do povo que habita o lugar dificilmente está na agenda dos soldados. E é então que os corações acelerados vivem momentos de angústia, porque sabem que a violência, companheira fiel de todas as horas, os espreita.


Quem ali deve à Justiça abandona rapidamente o perfil anfitrião, se arma de coragem, astúcia e... sebo nas canelas. Se portador de revólver ou espingarda, atira sem pensar em qualquer uniforme que se puser à sua frente. Normalmente leva a pior, o sujeito, deixando para trás mulher e filhos, porque sempre os tem. O que há de se fazer? É, sem dúvida, toda uma vida costurada nos porões da pobreza material e espiritual, normalmente passada de pai para filho, que leva o ser humano ao inferno.

O crime, aliás, é fruto da vida dura que sempre encontra acolhida no peito do facínora que oferece oportunidade em troca de pequenos serviços que logo se tornam grandes empreitadas que fomentam sonhos e deleites de poder.

Mas nem sempre as vítimas do cano da arma policial têm ficha no distrito. Muitas jamais tomaram de assalto qualquer estabelecimento comercial com o intuito de furtar-lhe uma coxinha, quando a fome faz doer as entranhas. No entanto, no calor da peleja desencadeada pela visita inoportuna, tombam bandidos e trabalhadores. Alguns, é certo, desempregados ou vendedores de semáforo, o que dá no mesmo.

A apreensão é, pois, sentimento perene no peito da gente que foi empurrada para a periferia das cidades por uma elite que a repele como se sofresse de doença ruim, como a desigualdade social, mal crônico nesta terra de meu Deus.

Mas é preciso combater o tráfico – se cercam de razão as autoridades, para quem as mortes são meros efeitos colaterais dos métodos utilizados para extirpar o mal com o mal. 

Cabe observar aqui que vingança pelo policial morto em ação é ato que diverge um pouco dos preceitos da lei, uma vez que esta é fria e não lida muito bem com sentimentos de revanchismo ou com qualquer outro tipo de sentimento. Mas o soldado, no calor da investida, se esquece de que há um conjunto de regras a seguir. Perfeitamente compreensível, tendo em vista que debaixo de seu colete e de sua farda bate apressado um coração, igual ao coração que teve abreviados seus batimentos por uma bala oficial que ganhou o espaço só pelo capricho de dar cabo de sua vida. 

No comando, contudo, há alguém que deveria se valer de estratégia adequada para conter o ímpeto da turma e mover as peças com a devida cautela, de forma a conduzi-las ao sucesso do plano, do qual não poderia fazer parte a violência gratuita. Derrubar pessoas pela truculência, afinal, não é papel dos profissionais pagos com dinheiro público para que executem bem o seu trabalho. Mas a pessoa de gravata que a tudo assiste por detrás de garbosa escrivaninha, parece não se importar muito com o desfecho da história.

E cabe aos mortos, transformados agora em números, engrossar as estatísticas que vão para os arquivos onde serão, como tantos outros, facilmente esquecidos.



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