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Fábricas de espantalhos
Percival Puggina
arquiteto, empresário, escritor e titular do site Liberais e Conservadores.
23/07/2023 | 02:28
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Leio em O Globo: “A Procuradoria-Geral da República solicitou ao Supremo Tribunal Federal que as plataformas de redes sociais apresentem todas as publicações do ex-presidente Jair Bolsonaro referentes a eleições, urnas eletrônicas, Forças Armadas e o próprio STF, entre outros temas (...) Além disso, quer que as redes apresentem as métricas de cada publicação, como visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários. Ainda foi solicitada uma lista completa dos seguidores de Bolsonaro”.

São 70 milhões ou 80 milhões de pessoas (a notícia teria produzido um rápido crescimento no número de seguidores), mas – calma pessoal! – segundo o subprocurador afirmou na semana passada, o investigado é apenas o ex-presidente, e, ademais, a PGR não teria como processar milhões de cidadãos. Antes do esclarecimento, eu tinha certeza disso. Agora já não tenho mais, como veremos adiante.

Todos esses quantitativos solicitados as próprias plataformas disponibilizam por publicação. As incertezas começam quando aparece a palavra “comentários” porque estes são individualizados.

Essa história não tem lado bom. Um lado devassa as opiniões políticas de dezenas de milhões de cidadãos e o outro rompe com objetivos do sigilo do voto, inerente às democracias. O sigilo do voto protege o eleitor de quem lhe possa causar dano (ou recompensa) por suas opiniões não voluntariamente expressas, que se revelam quando se sabe em quem ele votou ou não votou. 

Se “avaliar o conteúdo” se referir apenas ao vídeo do ex-presidente, o pedido deveria ser de outra natureza; ao incluir os conteúdos dos comentários, o que acontecerá com as pessoas cujas opiniões não forem do agrado do escrutinador? Quem deu ao Estado esse direito? Ah, pois é!

A democracia requer instituições, mas também depende de como elas procedam. O que está em curso no Brasil é um arremedo do regime e dos meios de ação narrados no conhecido filme A Vida dos Outros, Oscar de melhor filme estrangeiro de 2007. Até 1990, o regime comunista da Alemanha Oriental e seu partido único, o SED, contavam com os serviços da Stasi, para controlar a vida dos alemães orientais, oprimir opositores e dar suporte ao SED. A Stasi chegou a dispor de 90 mil servidores fixos e 170 mil informantes. 

Funcionou bem? Sim, durou 40 anos, respondeu por 250 mil prisões, sustentou o luxo da elite partidária e o rotundo fracasso do comunismo na terra do velho Karl! Em todos os países satélites atuavam filhotes da KGB, como a própria SED, a KDS búlgara, a Securitate Romena, a StB tcheca.

Muito me preocupa o que vejo acontecer. Tenho saudades da Constituição de 1988, mesmo com seus gravíssimos equívocos. A cada dia mais e mais esqueletos são levados para o armário da memória e dos arquivos. As bobagens proferidas não voltam para a boca e a censura não apaga o que os olhos viram. Alguém ainda vai ganhar muito dinheiro com documentários sobre estes anos loucos e suas fábricas de espantalhos.

Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Liberais e Conservadores.




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