Cultura & Lazer Titulo
Cinemateca abriga memória cinematográfica do país
Do Diário do Grande ABC
03/04/2000 | 15:46
Compartilhar notícia


Em poucos dias, um importante acervo da cinematografia nacional terá a acolhida devida. Este mês, a Cinemateca Brasileira finalmente inaugura seu depósito climatizado, espaço onde serao abrigados todos os originais dos principais realizadores nacionais. Um projeto iniciado há dez anos que, depois de duas interrupçoes e um custo total de R$ 1,5 milhao, tornou-se realizado graças a um punhado de incentivadores privados e governamentais.

A nova área, que vai contar com quatro câmaras climatizadas, será o destino certo de toda a cinematografia de, entre outros, Arnaldo Jabor, que confiou sua obra à Cinemateca há dois anos, e Joaquim Pedro de Andrade, cujos filmes estao sendo restaurados. "Em pouco tempo, teremos terminado o trabalho de "O Padre e a Moça", conta Patricia De Filippi, arquiteta que, desde outubro de 1995, coordena o laboratório de restauraçao da Cinemateca, atual depositária de 150 mil latas de filmes nacionais e estrangeiros.

Ela divide o trabalho com o psicólogo Carlos Eduardo de Freitas, na Cinemateca desde 1979. Ambos sao os únicos profissionais capacitados, em Sao Paulo, a realizar uma completa restauraçao - apesar de aparelhados, os grandes laboratórios nao se interessam pelo trabalho em razao do tempo que consome. "Sao necessários no mínimo dois meses para um filme estar completamente restaurado", diz Patricia.

A escassez de pessoal habilitado e o número crescente de obras que exigem rápido reparo formam uma combinaçao perigosa: a cada ano, aumenta o número de obras que correm o risco de simplesmente desaparecer por causa da falta de cuidados. "Os filmes exigem condiçoes especiais de temperatura e umidade", explica Carlos Eduardo. Quando chegou à Cinemateca, ele acompanhou aflito a estocagem de fitas em depósitos mal estruturados, no Parque do Ibirapuera. "Como uma parte do material era formada por filmes em nitrato, que é altamente inflamável, numa noite houve um incêndio, provocado pela autocombustao das fitas".

Apesar da mudança de material (o celulóide atual é mais seguro), a exigência de condiçoes específicas de armazenamento continua. "Em condiçao perfeita, os filmes coloridos devem ficar em ambientes com temperatura abaixo de zero grau e as produçoes em preto e branco, a 18 graus, e no máximo 45% de umidade relativa do ar", explica Patricia.

Manchas e fungos - O material recebido pelos técnicos de restauraçao, porém, permaneceu em ambiente bem mais tropical. Com o calor e a umidade, o filme inicia rápido processo de degradaçao: machas aparecem nos quadros, fungos instalam-se nas imagens e o filme começa a encolher. Se projetada nestas condiçoes, a fita apresenta distorçoes na imagem, saltos constantes no quadro e problemas na banda sonora. "Muitos filmes chegam aqui em más condiçoes", observa Carlos Eduardo.

Ele diz que as cristalizaçoes que surgem no celulóide, por exemplo, além de provovar um odor desagradável, fazem grudar todo o rolo. A principal preocupaçao dos dois profissionais é recuperar a matriz do filme, ou seja, a fonte principal de todas as cópias que serao exibidas nos cinemas. O processo começa como um quebra-cabeça - como em alguns trechos as condiçoes sao piores, os restauradores fazem cópias desses pedaços a partir de várias cópias do filme. Assim, uma matriz pode ser recomposta a partir das melhores reproduçoes existentes.

"Tivemos de fazer isso com 'Pixote', de Hector Babenco, cuja matriz já estava em estado preocupante", conta Patricia. O paciente trabalho foi responsável pela preservaçao de filmes capitais, como "Sinfonia Amazônica", primeiro longa de desenho animado brasileiro, produzido entre 1951 e 57. E o sucesso da restauraçao deve-se em grande parte a uma máquina copiadora ótica, conhecida pelos técnicos como "janela molhada". É por ela que passam os filmes mais comprometidos, que recebem um banho de solvente, responsável pela limpeza. A máquina permite também a copiagem do original.

Depois de restauradas, todas as matrizes ficarao conservadas, em caixas de plásticos especialmente confeccionadas pela Cinemateca, no depósito climatizado. E o trabalho parece infinito: depois de "O Padre e a Moça", Patricia e Carlos Eduardo vao debruçar-se sobre um lote de filmes encontrados na Bahia, em que estao registrados desde cenas de carnaval das décadas de 30 e 40 até discursos de Getúlio Vargas.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;