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SUR, a moeda comum entre Brasil e Argentina
Volney Gouveia
17/03/2023 | 06:06
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Na 25ª Carta de Conjuntura da USCS, a ser lançada neste mês, será publicada nota técnica minha tratando da proposta de moeda única, o SUR, envolvendo Brasil e Argentina. A íntegra da nota estará disponível em https://www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs. Segue aqui uma síntese.

O recente anúncio dos presidentes do Brasil e Argentina em torno da criação de uma moeda comum entre os dois países tem gerado muitas dúvidas e desconfianças entre os mais diversos setores da sociedade. A proposta não tem nada a ver com algo similar ao Euro, moeda utilizada entre 20 países do continente europeu. Pelo menos por enquanto. Brasil e Argentina são os dois principais parceiros do Mercosul. O Brasil tem peso relevante no comércio. O país exportou US$ 240 bilhões em 2020 e a Argentina, US$ 65 bilhões. O comércio brasileiro é quase seis vezes o volume do comércio argentino, evidenciando a importância do Brasil para a economia argentina. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, com volume exportado de US$ 9 bilhões de dólares por ano (2020); enquanto o Brasil é o primeiro parceiro comercial da Argentina, com volume exportado de US$ 9,8 bilhões (2020). O Brasil exporta para a Argentina produtos de média-alta densidade tecnológica (veículos e químicos), enquanto a Argentina exporta para o país produtos de baixa-média tecnologia (agrícolas, minério, química e veículos).

Os dois países têm praticamente o mesmo volume de comércio, mas suas transações são feitas em moeda americana. A proposta de criar uma moeda comum, de uso exclusivo entre os dois países, visa suspender a utilização do dólar como moeda intermediária. Pela proposta, haveria chances de aumentar o comércio entre os dois países, que nos últimos anos tem sido desviado para China, enfraquecendo o seu fluxo comercial. Com uma moeda comum, os países ficam menos expostos à dependência do dólar e podem vender e comprar diretamente entre si, utilizando-se da moeda comum. A título de exemplo, um empresário argentino que exporta um motor de 1.000 dólares para o Brasil; e um empresário brasileiro que exporta uma máquina de 2.000 dólares para a Argentina, pelo câmbio argentino, esta máquina brasileira custaria ARS 370.000 para o importador argentino; e pelo câmbio brasileiro, o motor argentino custaria R$ 5.110 para o importador brasileiro. Atualmente, com a adoção do dólar como moeda de intermediação, a Argentina teria um déficit comercial com o Brasil de 1.000 dólares (US$ 1.000 recebidos pela exportação do motor menos os US$ 2.000 pagos pela importação da máquina), exigindo deste país um estoque destes dólares para viabilizar sua transação. A moeda comum eliminaria este problema.

A questão central é que, não tendo a Argentina os dólares disponíveis em nível suficiente - situação vivida pelo país em razão dos sucessivos problemas de pagamento de sua dívida externa - as chances de calote se elevam. A adoção da moeda comum (chamada SUR), em tese, eliminaria essa "fragilidade" em dólar, pois permitiria aos países utilizarem da moeda comum sem a aplicação de uma taxa de conversão, cujo valor varia muito dentro de cada país atualmente.

Muitas questões ainda estão em aberto:
1) quem emitiria a nova moeda?
2) qual seria sua cotação?
3) como se harmonizariam as políticas econômicas dos dois países? A taxas de juros – importante instrumento de controle da ‘temperatura’ do consumo e da produção interna, operaria como?
4) e como se comportariam os custos internos de produção nos dois países, já que parte dos insumos de produção são importados de outros países? Ainda é muito cedo para concluir que a adoção de uma moeda comum seja maléfica ou benéfica para qualquer um dos lados. Ainda será preciso muito estudo e conversa para se chegar a um denominador comum. Mas, preliminarmente, é possível inferir que o Brasil – sendo metade da economia da América do Sul – teria muito a ganhar. A nossa complexidade industrial e agrícola é oportunidade de ampliação das exportações, o que geraria mais renda e importações dos parceiros comerciais latino-americanos, retro-alimentando um ciclo econômico favorável para todos os países do bloco.

Ainda que as perspectivas sejam favoráveis, o maior desafio será harmonizar/coordenar as políticas econômicas internas (controle da inflação, do déficit público e da dívida externa do conjunto de países do bloco). Para que uma eventual moeda comum seja viabilizada, uma boa dose de ambição política e aprimorados estudos econômicos elevarão o patamar de desenvolvimento dos países do continente, notadamente daqueles que compõem o Mercosul.

O conteúdo desta coluna foi elaborado por Volney Gouveia. coordenador do curso de ciências econômicas da USCS (Universidade Municipal de São Caetano). Pesquisador do CONJUSCS e autor do livro A economia do transporte aéreo no Brasil: novos ares para o desenvolvimento da aviação".




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