Entre janeiro e abril deste ano, Polícia Civil registrou 288 ocorrências de moradores perdidos; em 147 casos, os indivíduos foram localizados
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O dia 28 de outubro de 2003 ficou para sempre registrado na memória de Marli Vieira Carolino, 64 anos, moradora de São Bernardo. Essa foi a data em que seu filho, Anderson Vieira Rodrigues, à época com 28 anos, foi visto pela última vez. Quase duas décadas depois, as buscas, intensas nos primeiros anos de desaparecimento, perderam força. A esperança de Marli de que ele esteja vivo, continua vigorosa.
Assim como Anderson, muitas famílias travam lutas para reencontrar pessoas desaparecidas. De acordo com dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado), entre janeiro e abril deste ano, as delegacias de polícia do Grande ABC registraram 288 desaparecimentos, média de 2,4 por dia. Do total, 51% dos registros, ou seja, 147 casos, tiveram as pessoas localizadas.
“Em grande parte, os desaparecidos são jovens que, muitas vezes, querem se aventurar. Saem sem avisar, ficam o fim de semana fora e depois reaparecem. Os pais, preocupados, registram o boletim de ocorrência de desaparecimento. A polícia sempre orienta que seja comunicado o encontro da pessoa desaparecida, o que nem sempre acontece”, analisou o especialista em segurança pública e privada, Jorge Lordello, delegado de polícia aposentado com 25 anos de atuação.
A história de Anderson repete a de outros desaparecidos. Quando criança, Marli recebeu diagnóstico do filho de oligofrenia – doença do desenvolvimento mental que abrange personalidade, comprometendo o comportamento intelectual –, e autismo. “Ele ficava um pouco isolado, falava com um pouco de dificuldade, mas gostava de andar. Ele sempre saia para ir jogar bola”, recordou.
Segundo Marli, antes de desaparecer, Anderson fugiu em três ocasiões para o Guarujá, cidade onde morou com a mãe até os 15 anos. “Ele saia, mas sempre voltava para casa”, disse. Depois de outubro de 2003, o jovem não foi mais visto pela família. “As vezes me sinto culpada, e isso me mata. Desde que ele desapareceu, peço todos os dias para eu não partir sem saber o que aconteceu. Sem ter uma resposta, seja ela qual for”.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, o perfil de pessoas desaparecidas variam consideravelmente, “havendo uma sensível predominância de casos envolvendo adultos jovens do sexo masculino”. Entre os motivos listados pela SSP estão dependência de álcool e drogas e pessoas com doenças psiquiátricas.
Além do perfil traçado pela polícia, Jorge Lordello aponta, ainda, idosos ou pessoas que, de forma inesperada, tiveram perda de memória. Casos mais graves relacionados a episódios violentos são, segundo o especialista, mais raros. “A maior parte dos desaparecidos sai de casa por conta própria e reaparecem, geralmente, quatro ou cinco dias depois”, explicou, observando que, quando há suspeita de crime, a partir da linha de investigação do caso, a polícia instaura inquérito civil.
José Laércio da Silva, o Léca, 55, não se enquadra neste perfil, segundo familiares. O morador de Rio Grande da Serra foi visto pela última vez no dia 22 de abril deste ano na Rua Botucatu, próximo da casa de seus pais, onde também residia. As buscas foram iniciadas na data do desaparecimento. Para reforçar esse trabalho, um de seus irmãos, Sergio José da Silva, 45, deixou o trabalho de autônomo para conseguir novas pistas do paradeiro de Léca.
“Há dez anos ele sofreu um acidente e bateu a cabeça, mas mantinha rotina normal, com um pouco menos de dinamismo do que tinha antes. Ele catava reciclável para vender e sempre voltava para o almoço. Naquele dia, ele não voltou. Consegui com uma chácara de eventos a imagem do último local onde ele foi visto. Depois dali, ele sumiu misteriosamente”, contou Sérgio.
A angústia de quem espera pelo reencontro não passa. Os pais de Léca, Manoel José da Silva, 78, e Marinete Dantas da Silva, 76, sofrem a cada nova notícia na televisão sobre assassinatos. “Piora também quando chove, quando faz frio. Minha mãe fica preocupada imaginando como ele está, se está bem. Ela está muito abalada. É muito ruim”, contou Sérgio.
As investigações desse caso contam com o apoio da GCM (Guarda Civil Municipal) de Rio Grande da Serra, que utiliza cães farejadores nas buscas. O pedido de análise de imagens da estação de trem da cidade também foi feito às autoridades policiais. A esperança de que Léca seja encontrado não acabou. “Achamos que ele teve um surto e está em outro lugar. Queremos uma solução, que ele seja encontrado”.
Família deve informar sumiço de imediato
Famílias de pessoas desaparecidas devem buscar a delegacia de polícia mais próxima para comunicar o caso e registrar a ocorrência. O registro do BO (Boletim de Ocorrência) pode ser feito no mesmo dia do desaparecimento, sem a necessidade de esperar o período de 24 horas, como muita gente imagina. É o que explica o especialista em segurança pública e privada, Jorge Lordello.
“Se a família suspeita do desaparecimento e tem certeza que aconteceu algo estranho deve sim fazer o BO. O registro deve conter o máximo de características importantes sobre a pessoa desaparecida. Dados de identificação, fotografia atualizada, informações sobre último local onde soube que a pessoa esteve, vestimenta, se portava celular, documentos ou outros objetos. Informações sobre tatuagens, cicatrizes, entre outras, auxiliam no processo de identificação”, explicou Lordello.
Apresentar breve histórico sobre a pessoa desaparecida e relatar possíveis problemas emocionais ou saúde também contribuem para que a polícia estabeleça uma linha inicial de investigação. “Quanto mais informações, maior a possibilidade de a pessoa ser encontrada”, concluiu o especialista.
Oficialmente, há canais para receber pistas e informações sobre pessoas que estão perdidas, entre os quais o Disque Denúncia, pelo telefone 181, que mantém o anonimato de quem liga.
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