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Na trajetória da Cia. do Nó, depois das tragédias vem a comédia. Dando um tempo nos dramas que marcaram as encenações da companhia teatral andreense, o grupo encara neste sábado sua primeira comédia, ao mesmo tempo em que estréia um texto inédito de Luís Alberto de Abreu. O Homem Imortal, ganhadora de uma Bolsa Vitae de Artes e escrita em 1988, é apresentada a partir de sábado, aos sábados e domingos, no teatro da companhia em Santo André em curta temporada, depois de pré-estréias em agosto.
A peça tem na história do Brasil sob o ponto de vista político um dos seus motes, desenvolvido nas versões de histórias narradas pelos moradores de uma vila no Vale do Jequitinhonha em 1930 no ateliê de um velho artesão Isidro (Renato Guimarães). Mas, em se tratando de comédia, as lembranças e como elas se rearranjam na narrativa dependem de quem conta a história, de sua intenção e da interpretação do ouvinte. Uma das falas de Isidro dá o tom da peça: “A história varia, mas é sempre a mesma”. Variam também os qüiproquós engendrados pelo texto de Abreu para narrar com humor essa história que pertence a seu trabalho com memória e seus narradores, que ganhou linguagem corporal na direção de Esdras Domingos.
Há dois personagens centrais, Isidro e o tenente Gregório (Fábio Ferreira), e 14 ao todo interpretados por nove atores e atrizes. Eles se conhecem no caminho e chegam a uma vila, Itaretama, cravada no miserável e semi-árido Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, em 1930, auge da revolução que levou Getúlio Vargas ao poder. Isidro faz esculturas de barro, Gregório usa sua patente militar para ter poder sobre os moradores.
Há um personagem misterioso, Neco Macário, que o povo ama e odeia, pois é um bandido, ou não. Cada personagem tem uma versão sobre ele. Isidro acha que é Gregório, Gedeão, um sebastianista (movimento místico de origem portuguesa sobre a sonhada volta do rei Dom Sebastião, desaparecido em batalha em 1578, que deixou vago o trono português) acha que Macário é Dom Sebastião, a Velha Fá, benzedeira e mulher poderosa local, diz que foi sua primeira namorada. No fim, caem as máscaras.
Essas histórias surgem no ateliê de Isidro, enquanto ele esculpe e faz sua própria narrativa para Gregório. É na trajetória de cada um, representado pela memória fotográfica de Isidro, que se dão as inter-relações que permeam a peça. O espetáculo se desenvolve num único ambiente cênico, a cabana de Isidro, toda feita de bambu. Figurinos e sotaques foram pesquisados com auxílio de Gil Ramos, professor de dança de Santo André, que viveu na região do Jequitinhonha. As músicas da peça, a maioria de domínio público, foram trazidas por ele para os atores cantarem em cena. Renata Moré e Levi Cintra compuseram uma cada um. Os próprios atores tomam instrumentos para tocar a música ao vivo.
A trajetória de Isidro, narrada a partir da Revolução de 30, tem reflexos na história dos 500 anos do país. Renata, que faz a Velha Fá, também é assistente de direção. “Estudamos história para saber quem foram nossos governantes e quem é nosso povo. O Vale do Jequitinhonha seria um microcosmo do povo brasileiro, que espera descobrir uma mina de ouro para enriquecer ou espera um governante que mude sua condição”, diz.
A falta de esperança na política atual, ou na politicagem, e sua influência nas pessoas foi outro motivo da Cia. do Nó para a peça. “Isso incomodou o grupo que sempre batalhou por política cultural, e acho que é um incômodo do povo também”.
O Homem Imortal – Teatro. Texto de Luís Alberto de Abreu. Direção artística e geral Esdras Domingos. Com a Cia. do Nó. Estréia neste sábado, às 20h. No Teatro da Cia. do Nó – r. Regente Feijó, 359A, Vila Assunção, Santo André. Tel.: 4436-7789. Sábados, às 20h, e domingos, às 19h. Até 8/10.
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