Cultura & Lazer Titulo
Na torcida pelo final feliz
André Bernardo
Da Tv Press
09/10/2005 | 09:01
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Interpretar gays em novelas não é tarefa das mais fáceis. Às vezes, os atores escalados correm o risco de perder contratos publicitários e, pior, sofrer agressão nas ruas. Mas, quando recebeu o convite para fazer o Júnior de América, na Globo, Bruno Gagliasso sequer cogitou dizer não. Na hora, pensou apenas na oportunidade de esclarecer o público sobre a sempre polêmica opção sexual dos homossexuais. Desde que a novela estreou, em março, o ator não pára de ser parabenizado por ajudar pais e filhos a vencerem o preconceito. “Mais do que arranjar namorado, gostaria que o Júnior enfrentasse a Dona Neuta. Torço pela vitória do amor sobre o preconceito. O amor não tem de ter preconceito”, diz. Mas, no que depender de Glória Perez, Júnior não só tomará coragem para enfrentar a mãe, interpretada por Eliane Giardini, como também merecerá um final feliz ao lado do peão Zeca, vivido por Erom Cordeiro. Bruno elogia a coragem da autora e torce para que a decisão do rapaz ajude a diminuir o preconceito contra os gays. Ele próprio, garante, já se sentiu discriminado. No início da carreira, se viu obrigado a provar que, além de bonito, também podia ser talentoso. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

PERGUNTA: A poucas semanas do final de América, o que você gostaria que acontecesse ao Júnior? Agrada a idéia de ele ser gay?

BRUNO GAGLIASSO: E muito! Não existe a menor possibilidade de ele não ser. O Júnior nunca teve relações com outro homem, é verdade, mas sente atração por eles. Se um homem deseja outro, ele é gay. O Júnior só precisa aceitar essa realidade e ser feliz com ela. O principal conflito dele, por enquanto, não é com a sociedade, é com ele mesmo. Pessoalmente, até acho que ficaria careta se ele não fosse gay. A forma como a Glória Perez está fazendo é muito bacana. Ela quer mostrar um lado que nunca foi mostrado antes. É até comum a gente ver isso no cinema. Mas, na TV, é raro.

PERGUNTA: Mas você não se incomodaria de beijar outro ator em cena?

GAGLIASSO: Claro que não. Se o beijo realmente rolar, será bem-vindo. Se não, não fará diferença. Sou contra toda forma de preconceito. Principalmente na arte. Na arte, não cabe preconceito. Senão, não é arte. Eu mesmo já sofri inúmeros. Mas, afinal, quem nunca sofreu? Todo mundo, eu acho. Quando comecei, sofri preconceito por ser bonito. Como se, por causa disso, não fosse capaz de interpretar determinados tipos.

PERGUNTA: Muitos atores recusam papéis de gays com medo de ficarem estigmatizados. Você não pensou em declinar do convite da Glória Perez?

GAGLIASSO: De jeito nenhum. Sou um ator. E, como tal, tenho consciência da minha função social. Graças a Deus, tenho tido a sorte de fazer papéis diferentes uns dos outros. E, principalmente, diferentes de mim. Isso me faz crescer como ator e evita que o público me associe sempre a um único tipo de personagem. Além disso, os homossexuais são sempre muito estereotipados na TV. Felizmente, isso não aconteceu com o Júnior. O que está sendo mostrado não é o amor de um homem por outro homem e, sim, os conflitos de um homem com a sua família, sua vida. Um homem se descobrindo, se conhecendo e, principalmente, tentando se aceitar. Uma das minhas principais preocupações com esse trabalho é, inclusive, chamar a atenção para a diversidade que existe no mundo gay, mostrar que há muito mais do que estereótipos. Quero fazer da minha arte uma política. Uma política de quebra de preconceitos. Se posso unir o útil ao agradável por que desperdiçaria uma chance dessas?

PERGUNTA: Desde a estréia de América, você já sofreu algum tipo de preconceito nas ruas?

GAGLIASSO: Nenhum. Só recebi manifestações de apoio. O retorno do público tem sido o melhor possível. As pessoas gostam do Júnior porque ele está tendo a oportunidade de esclarecer um assunto ainda pouco discutido. O que mais ouço nas ruas é: ‘Pô, que bacana! Não sabia que era assim’. Isso é maravilhoso! Queremos mostrar que homossexualismo não é doença. Nem tampouco uma opção. Ninguém opta por ser discriminado. Como também ninguém opta por ser incompreendido. As pessoas simplesmente são.

PERGUNTA: Este ano, você participou da Parada Gay para o quadro Repórter Por um Dia para o Fantástico. Como foi a experiência?

GAGLIASSO: Emocionante. Vi a gratidão no olhar das pessoas. Lá, percebi a importância de fazer um papel desses. Muitas pessoas vieram me agradecer por mostrá-las como realmente são. Por mostrar que são pessoas normais. Como estava falando, não se trata de uma questão de escolha. Ninguém escolhe ser discriminado ou ridicularizado sexualmente. Foi uma experiência muito marcante, que me deixou emocionado. As pessoas não vão à Parada para provocar ou chocar quem quer que seja. Elas vão porque têm o direito de ser livres e de amar.

PERGUNTA: Mas como tem sido a repercussão de seu trabalho entre os homossexuais? Eles têm críticas a fazer?

GAGLIASSO: Por enquanto, não. O público homossexual tem me agradecido diariamente pelo que o Júnior está fazendo por ele. Como sempre tive amigos gays, muitos deles me ajudaram a compreender melhor o personagem. Na verdade, nem precisei correr atrás de entrevistas porque, desde que foi divulgado que faria um homossexual em América, as pessoas começaram a me procurar para falar do assunto, contar suas experiências, essas coisas. Afinal, todos tinham interesse de que o tema fosse abordado de uma forma legal.

PERGUNTA: E entre o público em geral? Qual foi a abordagem mais inusitada até agora?

GAGLIASSO: Outro dia, aconteceu uma coisa muito engraçada. Eu estava na rua gravando uma matéria para o Vídeo Show quando uma senhora veio falar comigo: ‘Meu filho, eu sou louca para ver você com o Tião! Vocês têm de terminar juntos!’ (risos) Foi uma ousadia muito grande da Glória mostrar o interesse do Júnior pelo Tião. E o mais bacana é que o público não ficou chocado. Levou numa boa. Além disso, diversas mães de gays têm se manifestado favoravelmente ao Júnior. Alguns já vieram até me dizer: ‘Puxa, você não sabe o quanto está sendo importante para mim e para a minha família assistir à novela’. Você quer elogio maior do que esse?




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