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Políticos estão presentes até na teledramaturgia
André Bernardo
Da TV Press
15/08/2004 | 21:09
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Está aberta a temporada de caça aos votos dentro e fora do horário político eleitoral. Na semana em que começa a propaganda gratuita na TV, personagens políticos ganham força nas novelas e acirram a disputa nas urnas. Em Senhora do Destino, trama das nove da Globo, o vereador Reginaldo, de Eduardo Moscovis, já se mostrou capaz de tudo para angariar votos – inclusive tirar proveito do seqüestro da irmã, Lindalva, de Carolina Dieckmann. Já na das seis, Cabocla, o candidato a prefeito Neco, de Danton Mello, é tudo aquilo que um bom político deveria ser: honesto, íntegro, transparente. Entre outras coisas, critica o voto de cabresto. "Se a eleição no Brasil não fosse informatizada, muita gente votaria no Neco", acredita o ator.

Políticos íntegros e honestos como o personagem de Mello não são tão raros assim, pelo menos na galeria de tipos do novelista Benedito Ruy Barbosa. Mas de todos os políticos impolutos da TV brasileira, nenhum causou tanto alvoroço quanto o Senador Caxias, de O Rei do Gado. "Eu poderia criar um político desonesto e dizer que, salvo honrosas exceções, todos são assim. Acontece que, do jeito que as coisas estão, todos se encaixariam nas honrosas exceções", ironiza o autor, que destaca, entre tantas, a cena em que o personagem de Carlos Vereza discursou sozinho para um plenário vazio. A cena foi tão chocante que, no dia seguinte, alguns parlamentares protestaram no programa A Voz do Brasil.

Ao contrário de Benedito, Aguinaldo Silva não dá sinais de acreditar na classe política. Prova disso são os muitos políticos corruptos em suas novelas, como o Kléber, de Pedra Sobre Pedra, o Demóstenes, de Fera Ferida, e o Ypiranga Pitiguary, de A Indomada. O Naldo, de Senhora do Destino, não foge à regra. "Ele é um apanhado que fiz de vários políticos do Rio, muitos deles inescrupulosos, aproveitadores, demagogos, populistas. Infelizmente, esse é o retrato do país", afirma Aguinaldo.

Para piorar a situação, Naldo não está sozinho. Outro político, digamos, pouco confiável da novela das nove é o deputado Thomas Jefferson. Para compor o personagem, Mário Frias teve a curiosidade de acompanhar de perto um dia na vida de César Maia. Mesmo assim, o ator faz questão de ressaltar que não buscou inspiração no atual prefeito do Rio para compor o demagogo deputado federal, que transformou seu gabinete num cabide de empregos. "É legal denunciar esse tipo de político que se aproveita de cargos públicos para empregar parentes e amigos. Acho oportuno discutir essa questão para os telespectadores pensarem duas vezes antes de votar nas próximas eleições", diz.

A galeria de tipos que marcaram época ao retratar o jeito populista de fazer política no Brasil é extensa. O primeiro deles foi Odorico Paraguaçu, de O Bem-Amado. Em plena ditadura, a censura militar proibia o autor Dias Gomes de se referir a Odorico como coronel e a Zeca Diabo, um jagunço vivido por Lima Duarte, como capitão. A saída encontrada pelo diretor Régis Cardoso foi reeditar os capítulos já gravados e apagar a voz dos personagens. "Ficou estranhíssimo no ar. Os atores mexiam a boca, mas não saía som. No dia seguinte, a censura mandou um memorando dizendo para deixar como estava", lembra Cardoso.

Desde então, com o sucesso de Odorico, políticos começaram a surgir em novelas com a mesma profusão que promessas de candidatos em véspera de eleição. Um dos mais famosos, sem dúvida, foi Sassá Mutema, interpretado por Lima Duarte em O Salvador da Pátria. A idéia original de Lauro César Muniz era que o personagem chegasse à Presidência da República. Mas, como 1989 era ano de eleições presidenciais, o autor teve de mudar a história. Afinal, a esquerda achou que o personagem, visivelmente inspirado no então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, era manipulável demais e a direita, que uma eventual vitória de Sassá favoreceria a oposição. "O Sassá era a cara do Brasil. Ele nos ensinou a não perdermos a capacidade de nos indignar diante dos vícios da política brasileira", enfatiza Lima.




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