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Desempregrados encaram trabalho novo, sem preconceito
Valéria Cabrera
Da Redaçao
12/08/2000 | 20:25
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Os cursos de qualificaçao e requalificaçao profissional, que já formaram centenas de pessoas no Grande ABC nos últimos anos, têm revelado talentos em áreas tradicionalmente ocupadas pelo sexo oposto. Nao é difícil encontrar homens fazendo cursos de corte e costura, modelagem e bordado, por exemplo, assim como mulheres se preparando para o conserto de eletrodomésticos, trabalho de eletricista ou pedreiro.

Entre os motivos para a `inversao de papéis', de acordo com profissionais da área, está o desemprego. "A situaçao atual tem obrigado as pessoas a procurarem alternativas de trabalho, em qualquer área", disse a chefe do Departamento de Geraçao de Renda de Sao Bernardo, Aparecida de Souza Sobral.

Segundo ela, muitos dos homens que procuram pelos cursos de qualificaçao e requalificaçao profissional sao ex-metalúrgicos, que perderam seus empregos e nao têm perspectivas de voltar para a antiga profissao.

Já a maioria das mulheres quer entrar no mercado de trabalho e para isso nao poupam esforços. Segundo o diretor do Departamento de Educaçao do Trabalhador de Santo André, Carlos Kopcak, elas procuram uma profissao porque se tornaram chefes de família. "O marido nao está mais presente por algum motivo e a mulher tem de sustentar os filhos."

Há, também, aquelas que procuram os cursos para economizar em casa e, se possível, ganhar um dinheiro extra. Este é o caso da empregada doméstica Cecília Agripino Leite, 31 anos, que faz o curso de conserto de eletrodomésticos na Emip (Escola Municipal de Iniciaçao Profissional) Jardim Beatriz, em Sao Bernardo.

Ela conta que nao agüentava mais pagar caro por pequenos reparos em seus equipamentos. "Como nao entendia nada do assunto, os homens me passavam para trás", afirma.

Além de nao precisar mais dos serviços de outras pessoas, Cecília pretende conseguir um dinheiro extra com a nova atividade. E nao vai parar por aí. "Depois de terminar esse curso, vou fazer o de eletricista", disse.

Para Cecília, nao há trabalho específico para homens e mulheres. "Todos podem fazer tudo. Basta gostar." Antes de trabalhar como empregada doméstica, ela era funcionária de uma fábrica de móveis. "Eu era a única mulher, disse. Hoje, enfrenta as piadinhas dos colegas, que nao chegam a ser interpretadas como preconceito. "Eles sempre querem que eu teste os aparelhos elétricos primeiro."

O juiz de futebol Enildo Valentim dos Santos, 34 anos, quer trocar a atual profissao por uma atividade que é dominada pelas mulheres. Ele quer ser costureiro. Enildo é o único homem de uma turma de 20 alunos do curso de corte e costura, módulo esporte fino, da Emip Baeta Neves, também em Sao Bernardo, mas nao se importa com isso. "Sempre gostei desta área, desde pequeno, quando minha mae fazia pequenos consertos em casa em uma antiga máquina de costura", revela.

Aos 16 anos, Enildo já sabia trocar zíperes e fazer outros pequenos trabalhos, mas somente este ano é que começou a aprender técnicas mais avançadas sobre a costura. Antes do módulo `esporte fino', ele já passou por outros dois: básico e modelagem.

O juiz de futebol pretende ainda fazer um curso de costura industrial e, com isso, montar uma pequena confecçao. "Nao posso ser juiz o resto da vida. Por isso resolvi me especializar em corte e costura." A família e os amigos apóiam.

Outro que está de olho no futuro é Nelson Soares da Silva, 24 anos, que faz o curso de pintura em tecido no Centro de Educaçao do Trabalhador de Santo André. Por enquanto, ele trabalha como jardineiro na Frente de Trabalho da Prefeitura, mas quer contar com outras possibilidades. "Fazendo cursos, terei mais campo para procurar trabalho depois", afirma.

O curso de pintura em tecido foi escolhido por causa de uma paixao: o desenho. "Sempre gostei de desenhar e pintar, mas nao sei as técnicas corretas. Agora estou me aperfeiçoando." Apesar de ser o único homem do curso, Silva nao fica intimidado. "Até gosto disso."

A história da mestre de obras Irinéia Pinheiro Canavesi é um exemplo de `inversao de papéis' entre os sexos que deu certo. Ela começou a se interessar por construçao civil há 23 anos, quando construiu sua casa. "Tinha de entender do assunto para poder coordenar". Atualmente, comanda pedreiros e outros profissionais da área em sua própria construtora. Diferentemente de outras mulheres que procuram trabalhos considerados masculinos, Irinéia escolheu a profissao para ter liberdade no trabalho. Até três anos atrás, a construtora de 53 anos, casada e mae de dois filhos, tinha seu próprio salao de beleza. "Fiz cursos de maquiadora e esteticista, mas essa profissao exige muito, inclusive trabalho à noite e em fins de semana."

Para ficar mais tempo com o marido e os filhos, Irinéia decidiu abraçar de vez a construçao civil e, há pouco mais de um ano, entrou no curso de qualificaçao de mestria de obras em Santo André. Antes, ela já tinha feito o curso de alvenaria em Sao Bernardo.

Mesmo enfrentando um pouco de preconceito na área, a mestre de obras afirma que se sente realizada. "Falo de igual para igual com outros homens e, se eles me olham torto, apenas ignoro."




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