Internacional Titulo
Botulismo é opção para o terror
Maurício Klai
Do Diário do Grande ABC
04/11/2001 | 20:44
Compartilhar notícia


O mundo discute no momento qual será a próxima arma do bioterrorismo. A bactéria do antraz, que até bem pouco tempo era exclusiva do gado bovino, de repente ganhou status de arma biológica. Contudo, o rol de opções do bioterrorista é amplo e depende exclusivamente da quantidade de recursos humanos e financeiros à disposição.

Na escala de potência das toxinas mais conhecidas pela microbiologia, o Clostridium botulinum ocupa o primeiro lugar. Mais conhecido como o agente etiológico do botulismo, a toxina pode perfeitamente ser utilizada como potente arma biológica contra os seres humanos, afirma o professor de microbiologia da Universidade Bandeirantes Roberto Mitio Yanaguita. "Para ter uma idéia de como ela é letal imagine que, para matar um adulto, basta apenas um micrograma (isto é, a milionésima parte do grama)", afirmou.

A toxina do botulismo é adquirida por meio da ingestão de alimentos contaminados, como carne, embutidos e peixes defumados. Age nas terminações nervosas, mais especificamente na acetilcolina – substância responsável pelas ligações sinápticas –, inibindo sua ação. A conseqüência direta é a paralisia flácida, isto é, os músculos não reagem aos estímulos do cérebro e leva a pessoa à morte por paralisia respiratória e cardíaca em cerca de duas semanas.

O botulismo, do latim botulus (salsicha), remonta ao século 19 e era comum em embutidos caseiros. "Alguns fazendeiros tinham por hábito matar porcos e, com seu sangue, fazer um preparado misturado com a carne que era acondicionado dentro do próprio animal, já sem as víceras, produzindo uma grande salsicha", afirmou Yanaguita. "Esse produto era cozido e submetido a um processo de defumação. Contudo, a temperatura não era suficiente para inativar os esporos do Clostridium botulinum que germinavam, passando à fase vegetativa e produzindo as neurotoxinas botulínicas."

Bioterrorismo – O Clostridium está presente no meio ambiente na forma de esporos, contudo não representa perigo aos seres humanos porque é anaeróbico, isto é, não se desenvolve na presença do oxigênio. "Em termos práticos, se inalado e se alojar no pulmão não germina como os esporos do Bacillus anthracis", explica Yanaguita.

O inconveniente anaeróbico seria suficiente para descartar o botulismo do rol de bactérias altamente utilizáveis como armas biológicas. Seria, não fosse o fato de a produção das neurotoxinas estarem diretamente ligadas à ação de um bacteriófago (vírus que parasita bactérias). "Esse vírus tem propriedades lisogênicas, isto é, não é capaz de matar a bactéria, apenas traz a informação de seu genoma para que ela passe a produzir a toxina para ele", afirmou.

O precedente para o bioterrorista manipular o Clostridium por meio da engenharia genética está aberto. O bacteriófago pode ser extraído do Clostridium e inoculado em outra bactéria, por exemplo a Escherichia coli, que é aeróbica. "Dessa forma, a coli se prestaria ao papel de contaminar, por exemplo, um rio", afirmou. "Falo de um processo complexo de biologia molecular mas que não custaria milhões de dólares", disse Yanaguita.

Dos sete tipos de toxinas botulínicas – A, B, C, D, E, F e G – apenas três são perigosas para o ser humano. A A e B, encontradas em vários tipos de alimentos, sobretudo carnes e embutidos, e a E, em peixes defumados.

Os primeiros sintomas do botulismo são visão embaçada, pupilas dilatadas, boca seca e prisão de ventre seguidos de fortes dores abdominais. Uma curiosidade do quadro clínico é a ausência de febre. "O botulismo é mais ou menos letal dependendo da quantidade de toxina ingerida e das lesões provocadas nas terminações nervosas", diz Yanaguita. "A recuperação pode custar vários anos de tratamento".

Em meio a uma onda de terror causada pelo antraz, o Centro de Doenças Contagiosas dos Estados Unidos identifica o botulismo mais costumeiramente em crianças de até um ano. "O botulismo infantil é o mais citado porque a criança pode ingerir os esporos principalmente no mel", afirmou Yanaguita. "Como a bactéria é anaeróbica, crianças nessa faixa etária não tem flora intestinal altamente desenvolvida para competir com o Clostridium. O fato de o intestino delgado ser quase anaeróbico também favorece seu desenvolvimento."




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;