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MAM expoe antologia de Lígia Clark
Do Diário do Grande ABC
31/05/1999 | 15:48
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Finalmente chega a Sao Paulo uma grande mostra da obra de Lígia Clark (1920-1988), que abrange toda a sua produçao. Nao se trata da gigantesca retrospectiva Caminhando, montada em 1997 pela Fundaçao Tapis de Barcelona, que circulou pela Europa e recentemente foi exibida no Paço Imperial no Rio de Janeiro. É uma antologia que compensa a reduçao da quantidade de obras pela qualidade dos trabalhos e pelo cuidado na concepçao da exposiçao, mostrando passo a passo o caminho traçado pela artista para fazer o que o curador Paulo Herkenhoff considera uma das obras mais revolucionárias deste século.

Uma das peças mais atrativas da mostra será, sem dúvida, a reconstruçao em grande escala, 35 anos depois, de uma maquete projetada por Lígia num período de grande envolvimento com neoplasticismo e na qual ela busca promover uma fusao no campo tridimensional entre três elementos: o plano, a área geométrica e a cor. A maquete serve como porta de entrada da exposiçao (literal e conceitualmente).

Estao representadas na exposiçao todas as fases de sua produçao, desde as pinturas e os espaços modulados iniciais, passando pelos casulos, bichos, trepantes e outros estranhos objetos tridimensionais e chegando às experiências terapêuticas do fim. Herkenhoff e seu curador-assistente, Ricardo Resende, chegaram a montar em uma das salas do museu uma espécie de "consultório", onde serao reproduzidas as experiências desenvolvidas por Lígia com seus pacientes, usando os objetos relacionais. Essa guinada em direçao à psicanálise levou Lígia a um grande isolamento. "O que eu faço nao é psicanálise e nao é arte; fico na fronteira, completamente sozinha", escreveu ela.

Processo educacional - Há na exposiçao outras obras inéditas para o grande público, como a tela Composiçao, de 1954, que foi emprestada pela colecionadora venezuelana Patricia Cisneros, ou a obra sem título de 1951, que pertence ao acervo da Faap e na qual a artista pinta uma escada em caracol, deixando evidente desde o início sua grande preocupaçao tanto com o espaço arquitetônico quanto com a organicidade da forma.

"Estou tratando a Lígia como arquiteta do instável", explica Herkenhoff, usando uma expressao da própria artista. É interessante notar no percurso da mostra que, ao mesmo tempo que a produçao de Lígia tem uma linearidade surpreendente, ela promove em alguns momentos cortes extremamente radicais.

Sua preocupaçao permanente é a relaçao entre o espaço e o tempo. Mas se essa questao parece clara nas pinturas de meados dos anos 50 - Lígia começou sua carreira tardiamente, começando a estudar pintura em 1947, quando já havia tido três filhos -, ela vai se tornado cada vez mais complexa à medida que a artista elimina as barreiras entre a obra e o espectador e cria uma linguagem cada vez mais subjetiva.

Por isso mesmo, a expectativa maior do curador é com o processo educacional, que permitirá a socializaçao do processo de Lígia Clark com o público. Sem essa intermediaçao, as pessoas hesitam em tocar nas peças feitas exatamente com esse objetivo.

Na última Bienal nao foi possível estabelecer essa relaçao, mas Herkenhoff atribui isso à escala gigantesca e diluidora do evento, que nao permite estabelecer uma interaçao tao subjetiva.

As afirmaçoes de que há uma excessiva concentraçao dos olhares sobre Lígia Clark e Hélio Oiticica, como se eles explicassem sozinhos a evoluçao da arte brasileira que os sucedeu, o curador reafirma que os dois "mudaram a arte mundial" e sua importância ainda nao foi devidamente absorvida nem no Brasil nem no exterior.

"Lígia compreende a história do espaço, recebida como a história do plano, a direciona para a topologia, depois passa por essa vivência sensorial e finalmente transporta tudo isso para o território da fantasmática", resume o crítico. Segundo ele, a artista conseguiu ir muito além do suprematismo e do reducionismo de Mondrian, quando tudo indicava um esgotamento, que a arte enfrentava um beco sem saída.

Herkenhoff, que foi curador da última Bienal de Sao Paulo e em breve vai integrar a equipe do Museu de Arte Moderna de Nova York , considera Lígia uma pessoa que está do avesso, "com uma sensibilidade mais do que à flor da pele, uma sensibilidade completamente exposta".

Além de sua admiraçao pela artista, que esteve presente em vários momentos importantes de sua carreira, o fato de organizar essa mostra tem um significado especial para o curador que gosta de ver essa experiência como um presente seu a Sao Paulo pelo convite para ser o curador de sua Bienal.




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