É como se pequenos filmes de uma vida pública de 70 anos passassem pela sua cabeça. "Trabalhei dois anos com a (atriz e diretora Henriette) Morineau. Era de uma disciplina militar, uma mulher formada na escola da Comédie Française", recorda-se. "O próprio (diretor) Gianni Ratto. Trabalhamos tantos anos, e o que esse homem me educou não apenas na disciplina hierárquica, mas na disciplina da adesão total ao processo do próprio jogo cênico."
Ratto tem um espaço especial na vida e carreira da atriz - e, consequentemente, em seu livro. Morto em 2005, o diretor e também cenógrafo fundou o emblemático grupo Teatro dos Sete juntamente com Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Sergio Britto e Ítalo Rossi, todos egressos do TBC. Essa parceria rendeu importantes momentos para a atriz, como em A Moratória, de 1955.
Apesar dos grandes papéis na TV - ela acabou de viver Mercedes na novela O Outro Lado do Paraíso - e no cinema (leia abaixo), foi no teatro que Fernanda se fez como atriz. E, no palco, conheceu o grande amor de sua vida, o ator Fernando Torres, com quem se casou e teve dois filhos, a atriz e escritora Fernanda Torres e o diretor Claudio Torres. No livro, há um capítulo dedicado a seu companheiro de vida. Lá estão a declaração de amor de Fernanda a ele, as fotos dos trabalhos juntos, de viagens, de cumplicidade, e os bilhetinhos que ele escrevia para a amada, até o fim de sua vida. Ele morreu em 2008. Fernanda lembra do encontro dos dois, em dezembro de 1950, no espetáculo Alegres Canções nas Montanhas. "Mas a gente se cruzava antes na Cinelândia, que era o centro cultural do Rio na época", conta. Aliás, essa peça marcou a estreia profissional de Fernanda como atriz.
Nascida e criada no subúrbio carioca, Arlette, nome de batismo da atriz, começou no rádio, aos 15 anos. Trabalhou durante 10 anos na Rádio MEC, como radioatriz e locutora. Lá esteve à frente também do programa Passeio Literário, época em que surgiu seu nome artístico, com o qual ficou famosa. "Eu tinha de ter uma redação como Fernanda Montenegro, e, como locutora e radioatriz, eu era Arlette Pinheiro. Começou a nascer essa outra entidade ali", graceja. Sua prima e sua irmã ainda se referem a ela como Arlette. Já Fernando sempre a chamou de Fernanda. "Ele me conheceu como Fernanda e levou a Arlette de sobra. Na verdade, levou muitas", diverte-se.
Organizado por Fernanda - com ajuda do Sesc e de pessoas que trabalham com ela há anos, a atriz reforça -, Itinerário Fotobiográfico reúne ainda saborosas curiosidades de sua vida. Como o único poema que escreveu na vida, aos 17 anos. "Escrevi talvez porque comecei a lidar com tanta literatura na rádio, e aí me deu um negócio de fazer também um poeminha (risos)." Ou ainda a história do avô italiano que fez parte da equipe de pedreiros que construiu o Theatro Municipal, no Rio, inaugurado em 1909. "Ganho prêmio e vou receber naquele palco. Lembro dele sempre."
No livro, a atriz queria também exaltar, nas imagens, a importância dos parceiros de palco e de cena. "Não se faz teatro sozinho, não sou concertista, teatro vive de grupo." E, ao contar sua trajetória, Fernanda Montenegro acaba recuperando a história da dramaturgia brasileira. "É meu mundo particular. Mas estou narrando também para os filhos, netos e bisnetos, para os filhos das pessoas que não estão mais aqui", afirma. "As fotos têm uma memória não só para quem faz um livro."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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