Política Titulo 60 anos em 60 entrevistas
O contador de histórias de Diadema

Walter Adão Carreiro, 78 anos, natural de Areiópolis, Interior de São Paulo, veio menino para Diadema. Tinha 7 anos em 1946, quando sua família chegou

Ademir Medici
Do Diário do Grande ABC
02/05/2018 | 07:28
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Denis Maciel/DGABC


Walter Adão Carreiro, 78 anos, natural de Areiópolis, Interior de São Paulo, veio menino para Diadema. Tinha 7 anos em 1946, quando sua família chegou. A cidade era um aglomerado de loteamentos, sobressaindo-se a central Vila Conceição. O nome Diadema seria dado quando da criação de mais um distrito de São Bernardo, em 1948. Na Vila Conceição fez o curso primário. Depois, uma vida de trabalho como metalúrgico, com 34 anos de chão de fábrica. Ainda trabalhava quando percebeu sua real vocação: fazer memória. Era 1987. Seus primeiros trabalhos foram publicados no mesmo ano pelo Diário, na também iniciante coluna Memória. Não parou mais.

Quando participou do movimento autonomista de Diadema, em 1958, com menos de 20 anos, Carreiro acompanhou a chegada dos primeiros exemplares de um novo jornal, News Seller, editado em Santo André e entregue na cidade pelo amigo Amaury Martins de Carvalho, um misto de correspondente do novo jornal e distribuidor das edições. Na fábrica, viu a mudança para o atual Diário, em 1968. Desde 1987 é presença constante nas páginas do jornal, não só falando de memória, mas se transformando em fonte confiável de toda a Redação para as mais diferentes reportagens.

Fale do seu trabalho na construção da memória de Diadema. Como o senhor se define na realização da sua missão? Há quanto tempo atua no Centro de Memória de Diadema?
Sou memorialista, não historiador. Acho o termo ‘memorialista’ o mais adequado, e mais bonito também. Historiador é o acadêmico. A palavra ‘pesquisador’ também cabe bem, pois de fato vivemos pesquisando e realizando um trabalho diretamente nas ruas, sempre visando à população. As pessoas geralmente gostam e contam a sua história, a sua relação com a cidade. Entre várias gestões, trabalho no Centro de Memória há 13 anos.

A escola o procura para falar sobre a história de Diadema? Como é o seu contato com os professores?
O contato é direto. Sou convidado. Visito as escolas. Falo aos alunos. Dia desses uma aluna veio ao Centro de Memória à procura de dados sobre Nicéia Albarelo Ferrari, uma professora da rede estadual das mais competentes. Ela foi nomeada pelo prefeito Lauro Michels (o tio) responsável pela Educação da cidade (hoje seria secretária municipal). Localizamos um bom material, inclusive fotos dela. Coube à Assembleia Legislativa dar o nome desta professora a uma escola (no Centro de Diadema). E agora a escola desenvolve um projeto proposto pela própria Secretaria de Educação que busca criar biografias de patronos das escolas paulistas.

Diadema tem história?
Tem, é claro. O município é dividido em 11 bairros. Entre eles o bairro Conceição, que se reporta ao nome do primeiro loteamento da cidade, Vila Conceição, aberta no início do século passado. Hoje partes da antiga Vila Conceição localizam-se no Centro e no bairro Serraria. Dos bairros e das ruas eu trato no livro Em Cada Esquina Uma História, distribuído graciosamente, mas cotado nos sebos em R$ 60.

Por que pesquisar história e memória?
É importante que as pessoas conheçam o lugar onde vivem. E conheçam a história local, participando da sua construção, preenchendo as lacunas existentes. Fazer memória é uma forma cívica e admirável de se conhecer o seu espaço. Daí o esforço para escrever um segundo livro, Minhas Memórias. Para lembrar como era a Vila Conceição. A escola. Os amigos. As famílias. As brigas. Reunir as piadas que se contam.

Piadas? Conte uma.
Um circo foi armado bem no centro da Praça Castelo Branco (antiga Praça Conceição, depois Largo de Diadema). Circo lotado. Todos conhecidos da cidade. Entre eles Onofre Batista, conhecido como Mais Preto. Ele gostava do apelido. Vem o locutor e faz um desafio. Usou esse termo mesmo: a pessoa mais preta que estivesse na plateia ganharia um litro de vinho. Onofre Batista se apresenta. É questionado se era realmente o mais preto. Onofre respondeu que sim. Mexeu com o público e disse que poderia perguntar ao público. A plateia em peso gritou: ‘Mais preto, mais preto’. E ele ganhou o litro de vinho. Mais dez minutos, e novo desafio do locutor: ‘Quem estiver com a meia furada vai ganhar uma garrafa de vinho. Adivinha quem se apresenta: o Mais Preto. Gozador, ele tirou os dois sapatos e mostrou as duas meias furadas. E insistiu em ganhar não mais uma, mas duas garrafas de vinho.

Na verdade, pode parecer piada, mas é um fato do cotidiano. Conte outro fato igualmente curioso.
José Luiz da Silva, apelido Meia-Noite. Funcionário da prefeitura de São Paulo, lotado no Serviço de Limpeza Pública. Andava sempre com um daqueles macacões largos, grandes, da prefeitura, sempre limpo. Usava para ir e voltar do trabalho. No serviço punha outro uniforme. Em 1953 a energia elétrica chegava ao Largo de Diadema. Operários abriram valas. O solo ali é formado por terra preta. Cavoucou três metros, floresce água. Valetas abertas, os operários não se preocuparam em colocar uma madeira protetora em cima. Retornariam no dia seguinte para completar o trabalho. Oito horas da noite, tudo escuro, lá vem o Meia-Noite. Pumba: caiu no buraco. Vinha passando o Orélio Magnani, que todos chamavam de Aurélio. Puxa o Meia-Noite para cima. Depois apregoava pela cidade que puxou o amigo pelos pés, que ele havia caído de ponta-cabeça. Invencionice. A mulher do Meia-Noite contava sempre que se o marido tivesse caído de cabeça, por certo teria morrido. Mas a versão do Orélio correu a cidade.

Como o senhor passou a se interessar pelo estudo da memória?
Devo isso ao Gipem (Grupo Independente de Pesquisadores da Memória) e ao Diário. José Francisco Alves, ex-vereador e ex-presidente da Câmara, meu amigo, telefonou dizendo que fora convidado a uma reunião do Gipem no teatro da cidade. Disse que não tinha paciência para essas coisas e pediu que eu o representasse. Deveria levar informações antigas e fotos. Levei o que tinha. Lá conheci amigos como Philadelpho Braz, Paschoalino Assumpção e o Gili (Vangelista Bazzani). Mostrei as fotos ao Gili. Umas dez fotografias. Ele se admirou. Mostrou aos presentes. E as fotos foram publicadas pela coluna Memória do Diário, que estava nascendo. Ganhei gosto. Estava ali algo que gostaria de fazer quando me aposentasse. Ao invés de ficar num boteco, decidi fazer memória. É o que mais gosto. E continuo colaborando com a Memória do Diário nesses mais de 30 anos.

E como se deu o início da pesquisa para o livro sobre as ruas de Diadema?
A ideia nasceu logo aí. Depois da reunião no teatro, houve uma segunda na casa da Dona Silvia (Esquivel, professora, ex-primeira-dama de Diadema, mulher do professor Evandro Caiaffa Esquivel). Eu quis saber quem foram todos aqueles que dão nomes às ruas. Saí andando de casa em casa, procurando. Diadema é pequena? É maior que São Caetano. Vá a São Caetano e veja como a cidade é grande. Não é fácil andar em todas aquelas ruas. Imagine em Diadema, que é maior.

Nestas buscas o senhor foi descobrindo mais e mais informações, certo?
Sem dúvida. Veja o caso do bairro Serraria. O Córrego dos Veados represado. As pessoas pescavam no rio. O nome nasceu da serraria do Antonio Piranga. Uma serraria, que não existe há um século, deu nome a um bairro. Não é bonito? Ali moravam dez famílias. Hoje são mais de 30 mil pessoas. No domingo é uma festa visitar o bairro Serraria. Tem a feira. A capela histórica de Nossa Senhora das Graças. Tudo é motivo de interesse para a memória.

Defina o sentido da construção da memória, a sua importância.
Memória da cidade é conversar com as pessoas antigas, especialmente. Anotar suas lembranças. As dificuldades para esse trabalho existem. Todo pesquisador já passou por elas. Você vai atrás de uma pessoa, duas, três vezes. Você sabe que ela tem informações a passar. Não adianta, a pessoa não fala nada. É o caso de um senhor do Centro de Diadema, mais de 90 anos de idade. Ele mora há 50 anos na mesma casa. E recusa-se a falar. Em compensação há pessoas admiráveis, como o senhor Amaury, de Eldorado. Historiador nato. Ex-vereador. Acervo familiar importante. No passado escreveu sobre memória no jornal local. Sempre que há uma reunião de autonomistas vou buscá-lo. Nessas pesquisas, já preenchi 12, 13 cadernos, com informações sobre a história de Diadema, com preciosos depoimentos.

O senhor pesquisa também nos cemitérios.
O cemitério é a alma da cidade. Ali também tem história. Há uma planta com o traçado das ruas e a localização dos jazigos no Cemitério Municipal. Um cidadão que ali trabalha quer escrever a história do cemitério. Vamos fazer juntos. São Bernardo tem o Cemitério da Vila Euclides, verdadeiro museu, onde eram enterrados moradores de todo o Grande ABC. O Cemitério da Consolação, em São Paulo, é uma verdadeira escola.

Uma das suas entrevistas foi com o jurista Miguel Reale, o pai, que teve chácara em Diadema. Como o senhor conseguiu chegar até ele?
Sempre tem uma pessoa para nos ajudar. O saudoso Artur Albertino de Gouveia nos levou até o doutor Reale, em São Paulo. Ele conhecia dona Ester, mulher do caseiro da chácara da família Reale em Diadema. O Artur mantinha um mercado que fornecia alimentos à chácara. E foi assim que chegamos ao Miguel Reale, seguindo em companhia da reportagem do Diário. O fotógrafo Celso Luiz, com raízes em Diadema, nos acompanhou e fotografou aquele momento. Gravamos um longo depoimento do homem que lutou pela criação do distrito de Diadema e que propôs o nome Diadema, para dar sequência ao ABC de Santo André, São Bernardo e São Caetano. Diadema é a coroa de Nossa Senhora, é o ‘D’ do ‘ABCD’. E Nossa Senhora da Vila Conceição é a padroeira da cidade.

Um trabalho importante que o senhor realizou foi o de localizar o processo de emancipação de Diadema, na Assembleia Legislativa. Como foi essa busca?
Fui de ônibus e Metrô, como sempre. Portas abertas, eu me emocionei ao ver ali na frente aquelas páginas, assinaturas e 20 fotos da época da emancipação para comprovar que Diadema poderia ser elevado a município. A maioria das fotos também foi publicada pela Memória do Diário, depois de reproduzidas pelo fotógrafo Valdir Lopes.

Nesta sua trajetória, a sua pesquisa sempre teve espaço no Diário. Fale sobre o jornal.
É o nosso jornal. Qual outro abre tanto espaço ao estudo de história e memória? São 60 anos. Torço para que ele complete outros 120 anos para totalizar 180. A gente é fã do Diário. O jornal nos ensina a entender a formação do Grande ABC. Por isso digo sempre aos que me ouvem para não falar mal de São Bernardo. Nós somos descendentes diretos de São Bernardo, seus filhos; e netos de Santo André, e bisnetos de São Paulo.

Que mensagem o senhor deixaria?
Diadema é uma cidade abençoada, porque é cercada de santos por todos os lados: ao Norte, São Paulo: ao Sul, Santos e São Vicente; a Leste, São Bernardo, São Caetano, Santo André; a Oeste, Santo Amaro. Portanto, uma cidade abençoada por Deus. 




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