Passaram-se mais 40 anos - quase - e Paul Vecchiali está na cidade, homenageado pela 41.ª Mostra. Nesta segunda-feira, 23, à noite, no Cinesesc, ele recebeu o Prêmio Leon Cakoff, que leva o nome o criador do evento. No início da tarde, havia se encontrado com o repórter. Emocionou-se ao falar sobre Danielle, a mítica estrela francesa que morreu na semana passada, com mais de 100 anos. Em Paris, após o Festival de Cannes, havia uma retrospectiva de Danielle na Filmoteca do Quartier Latin e repórter assistiu a muitos de seus filmes dirigidos por Henri Décoin, Julien Duvivier, Claude Autant-Lara e, claro, Max Ophuls. Tirando o último, os anteriores pertenciam à chamada velha onda do cinema francês e foram fustigados por François Truffaut em seu célebre artigo contra o "cinema de qualidade".
Nada como o tempo. "Hoje, eles estão voltando e estão sendo revalorizados, você sabe", diz Vecchiali. Aos 87 anos, ele não é nenhum velho blasé, que vive acomodado, curtindo as homenagens. Os olhos brilham. Lembra que foi crítico e escreveu uma enciclopédia de cinema justamente recuperando esses diretores dos anos 1930. O repórter conta quer viu duas vezes Madame De na retrospectiva da Filmoteca. Madame De! "É o mais belo dos filmes", concorda. Em maio, antes de Cannes, ele foi homenageado no IndieLisboa, e a cidade abrigava uma retrospectiva de Kenji Mizoguchi. O repórter estava lá. Reviu A Rua da Vergonha, O Intendente Sansho. "Pare, que vou chorar", diz Vecchiali. "Sansho é o filme da minha vida. Vi umas 200 vezes. Sei todos os diálogos", confessa.
Sua fama é de "franc tireur", franco-atirador. No Dicionário de Cinema, Jean Tulard observa que, trabalhando sobre uma diversidade muito grande de temas - "Não gosto de me repetir" -, Vecchiali exibe uma visão de mundo original, eminentemente subversiva, "na medida em que tudo, inato e adquirido, colabora para desvendar o real daquilo que o obscurece". Ele desmistifica outra coisa que diz Tulard - sobre a falta de recursos que aflige seu cinema, e o coloca na rubrica dos ?malditos?. "Tive a chance, na minha vida, de fazer filmes de muito sucesso. Rosa la Rose, sobre prostituição, bateu recordes e os produtores queriam que eu repetisse a dose. Descartei de cara. Não faço cinema pelo dinheiro."
A quase totalidade de sua obra para cinema é formada por roteiros originais, mas ele adaptou Dostoievski - em Noites Brancas no Píer. Por falar em Noites Brancas, o repórter lembra o filme de Luchino Visconti - com Marcello Mastroianni, Maria Schell e Jean Marais. Vecchiali tem uma admiração irrestrita por Visconti - Sandra, ou Vagas Estrelas da Ursa, com Claudia Cardinale, é outro de seus grandes filmes. Mas, dos italianos, ele ama mesmo é Valerio Zurlini - Verão Violento, Dois Destinos. "Choro toda vez que vejo Sylvie abraçando os dois netos." Ainda sobre adaptações, Vecchiali diz que as dele foram principalmente para TV. Ri contando que deu a volta ao mundo acompanhando retrospectivas de seus filmes. "Sabe quantas (retrospectivas)? 174!" Até por ter sido, e ainda ser, crítico, sabe que tem filmes ruins. "Faz parte." O importante é que os bons são ótimos. Vecchiali apresenta em São Paulo seu filme mais recente, Os Sete Desertores, ou A Guerra a Granel. Provocativo, como sempre, o autor pode fazer sua a frase de Georges Bataille. ?A beleza será convulsiva, ou não (será beleza).? Nos seus filmes, é.
AS DICAS DESTA TERÇA
Callado
Autora do belíssimo documentário Setenta, Emilia Silveira reflete sobre a vida e obra do escritor Antonio Callado. O filme divide-se em oito blocos temáticos que atravessam essa vida e, por meio de Callado, Emilia, na verdade, prossegue com sua investigação do Brasil após a ditadura cívico-militar. Haverá debate com a diretora. Espaço Itaú Frei Caneca 2, 22h.
Em Que Tempos Vivemos?
O próprio Walter Salles vai apresentar o longa inspirado pelo desastre ecológico de Mariana, em Minas. Grandes diretores como Salles e o chinês Jia Zhanke assinam os esquetes, e haverá debate após a exibição. Espaço Itaú Augusta Sala 1, 21h15.
Lote 35
Ator de grandes filmes (de Patrice Chereau e Philippe Garrel), Éric Caravaca assina esse filme confessional, inspirado pelo segredo mais bem guardado de sua família. Éric teve uma irmã que morreu ainda menina, e cuja memória foi apagada por seus pais, que nunca guardaram uma foto dela sequer. Por quê? Cinearte 2, 18 h.
Padre e a Moça
Produção de 1966, o longa que Joaquim Pedro de Andrade adaptou do poema de Carlos Drummond de Andrade (Negro Amor de Rendas Brancas) estreou no ano seguinte - portanto, há 50 anos. Com belíssima fotografia de Mário Carneiro, montagem de Eduardo Escorel e trilha de Carlos Lyra, é considerado um dos grandes filmes do Cinema Novo. A Mostra exibe o filme como parte da homenagem aos 80 anos de Paulo José. E olhem que lindo - Paulo e Helena Ignez, que fazem o padre e a moça, apresentarão a sessão desta noite. Vão Livre do Masp, 19h30.
Viver e Outras Ficções
Jo Sol dirige o longa espanhol sobre homem que deixa o hospital psiquiátrico, mas precisa de uma nova loucura para seguir vivendo num mundo que se tornou estranho para ele. Frei Caneca 3, 21h30.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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