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Estrada dos Alvarenga
Francisco Lacerda
04/06/2017 | 07:29
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Nario Barbosa/DGABC


Estrada dos Alvarenga é a via mais longa do Grande ABC. Com início na Praça Giovanni Breda, no bairro Assunção, em São Bernardo, tem 19,5 quilômetros, passando por Diadema até a divisa com São Paulo, após o bairro Eldorado. Na junção com a Estrada Água Santa, já na Zona Sul da Capital, passa a se chamar Estrada Pedreira Alvarenga.

É cheia de contrastes. Mudanças ao longo do tempo fizeram da via mistura de passado e presente, novo e antigo. Fazendas, granjas, hortas e olarias deram lugar a construções de variados tipos, com predominância comercial. O urbano e o rural se misturam, a ponto de charretes circularem tranquilamente em meio ao trânsito alheias ao fluxo de veículos.

Em grande parte às margens da Represa Billings, tem longos trechos com vegetação. É mal sinalizada, esburacada, congestionada e com muitas e perigosas curvas. Verdadeiro martírio aos motoristas. Obras estão logo no início e seguem por diversos trechos.

Abriga prédios novos, como o Hospital de Clínicas e a Fundação Salvador Arena, e outros mais antigos, como o Clube da Ford, a Nestlé e a casa São Vicente de Paulo, instalada na via desde 5 de maio de 1957. Segundo Vera Higino, 47 anos, gerente administrativa, a entidade funciona com doações, bingos e festas, além de Bazar da Pechincha e verba da Prefeitura como contrapartida pelos 41 (de 59) velhinhos transferidos à casa pela administração municipal.

“O pessoal conhecido como grupo dos vicentinos dentro da igreja recebeu, há 60 anos, a doação do terreno do ex-prefeito Lauro Gomes. Pertencia à mulher dele. Então, os vicentinos fizeram o asilo, onde hoje é o hospital (de Clínicas). Eles faziam arrecadação e vinham construir no fim de semana.”

Um dos velhinhos do lar é Jair Thomaz da Silva, 80 anos. Sempre bem-humorado, diz que quando chegou à região, em 1964, no Alvarenga só havia mato, o lixão e apenas um ônibus para ir ao Centro. “Passava uma vez por dia e se quebrasse tinha de ir a pé.” Faz questão de ressaltar que em “52 anos de São Bernardo” construiu parte da cidade. “Sou fundador de São Bernardo. Jardim Ipê, Jardim do Lago, Alvarenga, Divineia...isso aqui fui eu que ajudei. Jogava bola nos campos de várzea, era quarto-zagueiro no Triângulo, na Prefeitura.”

Lúcido e há 15 anos no asilo, diz dar “umas escapadinhas quando tem dinheiro” para ir ao “forrozinho” na estrada porque tem “namoradas lá fora”. “Comigo não tem terror, não. Aqui é negão. A mulherada cai matando.”

RURAL

Mais à frente, altura do 4.875, o interior se insere no urbano. Edio Rodrigues do Carmo, 61 anos, vende verduras e legumes produzidos em horta abaixo do nível da via, separada da Estrada do Alvarenga apenas por cerca de arame e de onde tira R$ 50 “livres” por dia. A alface é a mais pedida. “Não tenho profissão, mas tenho prática para plantar, então vou vivendo minha vidinha, empurrando com a barriga nesse pedaço de terra.”

Divide a casinha no terreno com a mulher. Tem água e luz. Na tem acabamento nem móveis, e a porta é ‘fechada’ por barbante e ‘guardada’ por um cansado – e com sarna – pitbull. Não falta a TV a cabo. 

O amigo Cícero Monteiro Lucilo, 61, conhecido como Roberto Carlos, segundo ele, devido à semelhança com o cantor, diz, que, mesmo dispondo de água encanada, prefere a retirada de nascente no local. “Encho dois baldes de água na mina e tomo banho tranquilamente no calor.”

Em outro trecho, próximo ao 6.998, onde a via e a Represa Billings estão lado a lado, campinho de futebol onde eram realizadas as ‘peladas’ de fim de semana e espécie de academia a céu aberto foram tomados pelas águas do reservatório no ano passado e nunca mais serviu a nada. Da outrora área de lazer apenas as traves são visíveis.

LOCOMOÇÃO

Em meio ao grande fluxo de veículos na Estrada dos Alvarenga, espremida em diversos pontos devido ao mato alto nas laterais, lixo, buracos, calçadas quebradas e até inexistentes, carros dividem espaço entre si, com pedestres e com charretes e animais. Para fugir desse estresse, o porteiro Eduardo Carlos Alberto, 27, opta todos os dias para locomoção pela bem tratada égua Branquinha, 12 anos e prenhe de sete meses. “Ando nela porque gosto, para fugir do trânsito e também pela necessidade. Como é que se anda nesse trânsito aqui (na estrada)? Tem hora que não anda, fica travado.”

Já Marcos Sartumino da Costa, 46, cadeirante, além da batalha diária devido à dificuldade de locomoção, enfrenta inúmeros outros problemas na via, inclusive voltar para casa, no alto de travessa extremamente inclinada. “Faz 11 anos que moro aqui e a situação da estrada sempre foi ruim, não só para mim, mas para os motoristas também. É muito buraco e na calçada não dá. Além de ter de andar no meio da rua, é muito morro e precisa ter força nos braços. As calçadas estão nessa situação (apontando passeio quebrado), daí vou para o meio da rua e corro riscos.” 

Mas nem todos moradores ou comerciantes instalados na via reclamam das condições. Célia Barbosa, 40, é proprietária, juntamente com o marido, Carlos Roberto de Paula, 48, de borracharia próximo ao 8.000. Fazem média de oito consertos de pneus furados ou estourados e rodas tortas – as que têm conserto – por dia. 

“É muito buraco, o que é bom para mim, mas é muito perigoso para os outros. Vejo muito acidente. Há poucos dias um carro capotou, uma moça ficou presa dentro e quando a tiraram, estava sem o couro do braço. O carro deu PT (Perda Total). Peço semáforo aqui, porque nós também temos crianças e gestantes.”

Saneamento básico é outro gargalo da Estrada dos Alvarenga. Não é raro ver ao longo da extensão da via córregos de esgoto a céu aberto próximos à Billings, que completou 92 anos dia 27 de março. Nos dias em que a equipe de reportagem do Diário percorreu a estrada, no Jardim Vida Nova, velho problema: esgoto escorria pelo asfalto na altura do 7.700, no trecho logo após passagem sob a Rodovia dos Imigrantes, ao lado da escola Francisco Beltran Bastitini ‘Paquito’ e da Emeb Arlindo Miguel Teixeira.

TERRÃO

Além de todos os problemas comuns a muitas vias da região, na estrada também há trecho de terra. Cerca de dois quilômetros tem sarjeta, mas não pavimento. O asfalto nunca chegou. Às vezes, quando chove, a Prefeitura passa o trator e joga cascalho, o que faz com que o nível fique cada vez mais abaixo da guia. A poeira levantada pelos veículos – que trafegam com farol aceso mesmo de dia – lembra filme de suspense onde é possível ver apenas a silhueta de personagem que caminha em meio à névoa. Exatamente o que acontece com Eduardo Dias Yunes, 41, terapeuta, toda vez que vai a pé ao trabalho em condomínio local. Ele revela que o ônibus que circula pela estrada tem o apelido de “poeirinha” e que o mato alto tem servido de esconderijo a bandidos.

“Aqui é horrível, sobe esse poeirão, a respiração fica ruim e mal dá para enxergar. Além disso, tem pessoas que se escondem no mato para fazer assaltos nessa região. Os carros passam ‘a milhão’ e fica essa nuvem de pó. Os que vêm devagar, porque não dá para enxergar nada, são assaltados. De dia é bem perigoso, mas à noite é bem pior.” 

Nesse cenário mora Sebastião Fernando Batista, 65. Veio para São Bernardo em 1958, aos 6. “Quando cheguei aqui (Estrada dos Alvarenga) era só mata virgem. Eu ajudava meu pai a criar bois. Agora tenho bar para auxiliar na aposentadoria, que é pouca. Dá para tapear.” Revela arrecadar R$ 30 diários no comércio, construído com as próprias mãos, segundo ele.

Segundo Sebastião, esse trecho da via é o preferido para abandono de animais. Afirma ter dez cachorros, mas 12 rodeavam-no, todos adotados da rua e aos quais chama pelo nome. “Lobinho, Dom Pixote, Zé Pretinho, Bigoduda, Mamãe, Lobo, Capitão, Corintiano, Coitado, Amarela, Pretinha e Branco.”

Ir embora? Sebastião nem ao menos admite essa hipótese. “De jeito nenhum. Aqui é meu paraíso. Mais paraíso seria se tivesse asfalto.”

Problemas seguem no trecho de Diadema até a divisa

A Estrada dos Alvarenga muda de cidade, agora em Diadema, mas contratempos persistem e seguem até a divisa com a Zona Sul de São Paulo, quando passa a se chamar Estrada Pedreira Alvarenga. Há mato alto, lixo, trechos sem calçamento, muitas curvas e até carros abandonados. Na parte diademense o que difere é o asfalto mais bem cuidado e longos pedaços sem imóveis. Simião Pedro de Oliveira, aposentado, tem 71 anos, 30 deles no bairro Eldorado. Dono de comércio, ele diz ver progresso e que a precariedade de quando chegou à via, há 20 anos, deu lugar ao conforto. “Era estrada de terra, puro barro e não tinha luz, era tudo escuridão. O ônibus passava quatro vezes por dia. Hoje é de cinco em cinco minutos. A mudança foi grande. Agora está muito bom.”

O cenário que se segue até o limite dos municípios é de continuação. Há lixo em toda extensão, além de carros abandonados às margens. As maiores queixas, no entanto, são em relação à Saúde e à Segurança. Moradores dizem haver na região o velho jogo de empurra entre as administrações diademense e da Capital. 

“Tem muito assalto aqui. Os ‘caras’ vêm armados, de dia mesmo, e roubam celulares e o que você tiver na mão, no bolso. Outro dia, morador fez cartaz e colocou no poste alertando sobre os assaltos. Mas foram lá e arrancaram. A polícia não aparece, nem a daqui (Diadema) nem a de lá (Zona Sul)”, relata Renato Rodrigues, 33 anos, músico.

“Minha mulher ficou doente, suspeita de dengue, e fomos para o posto (UPA – Unidade de Pronto Atendimento – na parte de São Paulo), que mandou para lá (Diadema). O de lá mandou para cá. Fomos para o do Eldorado. O médico pediu a transferência. Não vieram Samu, resgate, nada! Com carro particular fui para o Piraporinha. As duas prefeituras são omissas”, diz Edson Lemes, 41, auxiliar de limpeza e morador da divisa.

Também diz ter presenciado delitos praticados por motoqueiros, inclusive a mães com crianças no colo. “Recorri à PM (Polícia Militar) daqui (Diadema), mas eles (policiais) falaram que não podiam fazer patrulhamento porque já faz parte São Paulo. Aqui a gente sai, mas não sabe se volta.”

Um quarto dos são-bernardenses reside na área do Grande Alvarenga

O Grande Alvarenga, em diversas áreas às margens da Represa Billings, é exemplo de crescimento desordenado, especialmente na década de 1970, após a inauguração da Rodovia dos Imigrantes. Essa região de São Bernardo abriga 225 mil pessoas, quase um quarto dos 817 mil moradores da cidade, segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Somente no bairro dos Alvarenga são 68.279 pessoas. Na Estrada dos Alvarenga, a principal da região, a população conta na Educação, na rede municipal, com as Emebs (Escolas Municipais de Educação Básica) Arlindo Miguel Teixeira, Francisco Beltran Batistini ‘Paquito’ e Maria Rosa Barbosa. Na estadual há a EE (Escola Estadual) Diplomata Sérgio Vieira de Mello, no bairro dos Casa; e a EE Professor Domingos Peixoto da Silva, no Cooperativa. Na particular há o Colégio Termomecânica. 

Em se tratando de Saúde moradores têm à disposição a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) União/Alvarenga, o Centro de Especialidades Odontológicas Cinthya Magaly Moutinho de Souza, a UBS (Unidade Básica de Saúde) Vicentina de Goulart (UBS Alvarenga), além do Hospital de Clínicas Municipal José Alencar e o Caps 3 (Centro de Atenção Psicossocial) Alvarenga. 

Na via também estão o 8º DP, posto da Rede Fácil, Secretaria de Planejamento Urbano e Ação Regional, Departamento de Planejamento Urbano, Casa São Vicente de Paulo – Jardim dos Velhinhos, Ocisp Educadores em Foco, além de Subprefeitura do Alvarenga.

Fundação é um dos cartões-postais da via

Um dos cartões-postais da Estrada dos Alvarenga, o Centro Educacional da Fundação Salvador Arena ajuda moradores em situação de vulnerabilidade social. Construído em área onde outrora havia o Comodoro Country Club, o vistoso prédio abriga 2.574 alunos, sendo 1.772 na Educação Básica e 792 no Ensino Superior. Destes, 1.477 são de São Bernardo, distribuídos no Colégio Termomecanica (ensinos Infantil, Fundamental, Médio e Técnico), e na Faculdade de Tecnologia Termomecanica (Superior).

A instituição disponibiliza vagas a candidatos com renda mensal familiar de até 1,5 salário mínimo, e a gerais, que não dependem de perfil socioeconômico. São quatro cursos de bacharelado: Administração, Engenharia de Alimentos, Engenharia de Computação e Engenharia de Controle e Automação. Processo seletivo é anual e gratuito.

Para o Fundamental as vagas são distribuídas por meio de processo com três etapas (sorteio pela Loteria Federal, análise de histórico escolar e redação). Para o Médio, o candidato faz prova com redação e conhecimentos gerais. Já para o técnico (curso de metalurgia) a instituição cobra taxa de inscrição e realiza dois processos seletivos, nos quais o candidato também faz prova com redação e conhecimentos gerais.

Além do centro educacional, a Fundação Salvador Arena financia projetos sociais de outras organizações não governamentais que atuam nas áreas de Educação, de Saúde, de Habitação e de assistência social. Também disponibiliza aos discentes laboratórios nas áreas de exatas e humanas, salas temáticas, rede de bibliotecas interativas, ginásios poliesportivos, conjunto aquático, campo de futebol, pista olímpica, estação agroambiental e teatro, cuja capacidade é para 600 espectadores. 




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