Nacional Titulo
Lei de doaçao de órgaos nao aumenta transplantes
Do Diário do Grande ABC
17/01/1999 | 20:11
Compartilhar notícia


Após um ano de vigência, a lei de doaçao de órgaos ainda nao produziu efeitos significativos sobre o número de transplantes realizados no país. Segundo projeçao da Associaçao Brasileira de Transplante de Orgaos (ABTO), o total de cirurgias manteve-se estável no ano passado em relaçao a 1997. O último dado disponível refere-se a outubro e indica que ocorreram aumentos consideráveis apenas nos transplantes de córnea, fígado e rins. Para tentar dobrar a média nacional de doadores nos próximos dois anos, o Ministério da Saúde prepara novas campanhas educativas.

Nos nove primeiros meses do ano passado, foram realizados 1.133 transplantes de córnea, 44% acima do que em igual período de 1997. Foi o aumento mais expressivo entre os órgaos cujo transplante é acompanhado pela ABTO. As cirurgias de fígados cresceram 25% e as de rins, 9%. No total foram feitos 3.115 transplantes. Nao houve alteraçao nas cirurgias de coraçao: até outubro foram realizadas apenas 59. ``O coraçao é o primeiro órgao a se deteriorar e ainda nao há estrutura ágil o suficiente para o melhor aproveitamento', explica o presidente da ABTO, Valter Garcia.

Os números começaram a melhorar a partir de agosto, quando foram criados o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e as Centrais Estaduais de Notificaçao, Captaçao e Distribuiçao de Orgaos. Desde entao o Ministério da Saúde também passou a remunerar os hospitais por procedimentos relacionados a transplantes. Esta era uma reivindicaçao dos hospitais para incentivar as cirurgias. Com o pagamento, identificar doadores _ pessoas com morte encefálica _ e retirar os órgaos para transplante tornou-se financeiramente atrativo.

Em outubro o governo federal modificou um dos principais aspectos da lei, que entrara em vigor em 1º de janeiro de 1998. Revogou a definiçao de doaçao presumida forte, válida até entao. Por este preceito, a pessoa que nao tivesse se manifestado em vida contrariamente à retirada de seus órgaos, era considerada doadora, ainda que a família se opusesse ao transplante. ``Este foi um aspecto que causou grande insegurança na populaçao', avalia o coordenador do SNT do Ministério da Saúde, Rafael de Aguiar Barbosa. Desde outubro os órgaos só sao retirados com consentimento de familiares. A doaçao tornou-se presumida fraca.

Uma das conseqüências da dureza da lei aprovada no Congresso foi transformar boa parte das pessoas em nao-doadores. Levantamento coordenado pela ABTO mostra que em Belo Horizonte, por exemplo, 68% das pessoas que tiraram carteira de identidade no ano passado declararam-se nao-doadoras. O percentual nacional de famílias que recusaram a retirada de órgaos de parentes mortos manteve-se em 20% do total.

Um dos entraves para a melhoria dos números refere-se ao funcionamento das centrais regionais de captaçao: apenas oito estao atuando plenamente. A maior carência é da regiao Norte, onde nao existe nenhuma central e nenhum hospital capacitado a fazer transplantes de órgaos retirados de doadores mortos _ em março começará a funcionar o primeiro deles, em Belém. A meta é ter pelo menos uma central por estado.

A organizaçao da rede de notificaçao, captaçao e distribuiçao de órgaos é considerada fundamental para elevar o total de transplantes no país. O presidente da ABTO prevê que, com as modificaçoes, este ano os resultados já sejam 15% maiores do que em 1998. O Ministério deverá voltar a treinar, este ano, profissionais de saúde para abordagem adequada das famílias nos casos de morte encefálica e para agilizar as notificaçoes. ``A comunicaçao tardia é responsável pela perda de 40% dos órgaos', relata José Cavalieri Sampaio, coordenador do programa Rio Transplantes.

Para melhorar o índice de doadores, hoje limitado a três para cada 1 milhao de habitantes, o Ministério prepara uma nova campanha educativa, que deverá ser veiculada neste semestre. A meta é elevar a média para seis doadores por milhao _ ainda muito abaixo dos índices de Estados Unidos (20/milhao) e Espanha (29/milhao), mas suficiente para passar a atender 40% da demanda brasileira por órgaos.

A expectativa do Ministério é de que a lei de doaçao de órgaos só mostre resultados consideráveis após cinco anos de vigência. ``O problema nao é jurídico, mas sim de condiçoes materiais e culturais', afirma o senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), que foi relator da lei no Senado. Na Espanha, considerada modelo quando o assunto é transplante de órgaos, os primeiros três anos após a entrada em vigor da legislaçao que estabelecia a doaçao presumida apontaram reduçao no número de cirurgias.

O Ministério da Saúde irá regulamentar, até fevereiro, os transplantes de medula óssea. Este é um dos tecidos com maior demanda no país e pelo qual, na maioria dos casos, é preciso recorrer a hospitais estrangeiros, com custos elevados. Em seguida, o Ministério irá cuidar de enquadrar os bancos de olhos. Com larga atuaçao e sob a alçada privada, estas empresas estao hoje à margem da legislaçao, que estabelece que todos os transplantes têm que estar submetidos à lista única coordenada pelo Ministério da Saúde.

Além da medula, a demanda é grande por parte de pacientes à espera de rins. Seriam necessárias 9 mil cirurgias por ano _ ou cinco vezes mais do que é realizado hoje. Existem, atualmente, 12.098 pessoas na fila à espera de um rim. Outros 11 mil aguardam uma córnea. A lista de espera pelos demais órgaos _ coraçao, fígado, medula óssea e pulmao - exibe 1.400 nomes.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;