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'Fiz o possível', diz ex-prefeito de S.Bernardo
Roney Domingos
Do Diário do Grande ABC
22/03/2003 | 21:39
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“Acho que fiz o possível”, disse o ex-prefeito de São Bernardo, Maurício Soares, que aos 63 anos e depois de 25 anos na vida pública, escolheu o último dia 5 para renunciar ao segundo mandato consecutivo de uma série de três gestões na administração municipal. Maurício alegou motivos de saúde para deixar o cargo depois de seguidas licenças desde o fim do ano passado. No entanto, a oposição acusa Maurício de ter apenas cumprido sua parte no acordo com o antigo vice e atual prefeito, William Dib, que determinava a divisão do mandato. “Espero que eles não passem pelo que eu estou passando”, disse Maurício na primeira entrevista exclusiva depois que deixou a administração.

Embora ainda em recuperação de um quadro de saúde que combina o agravamento da diabetes com pressão alta e até uma inflamação nos ombros, Maurício retoma sua vida social e já planeja o futuro da carreira. A mulher do ex-prefeito, Laerte Soares, afirmou nesta semana que ele estuda a possibilidade de abrir um escritório de assessoria política.

Maurício não aceitou falar pessoalmente, mas recebeu as perguntas por e-mail e respondeu de punho próprio – fato confirmado por Laerte. Nesta primeira entrevista exclusiva após o seu afastamento, o ex-prefeito faz um balanço de sua atuação política como advogado do então Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, fundador do PT, do qual se distanciou depois, e da experiência de governar São Bernardo por três vezes. “Fiz uma caminhada que de original tem pouca coisa.”

DIÁRIO – Especialistas em legislação eleitoral afirmam que, ao renunciar em março, o sr. ganha condições de disputar novamente a Prefeitura de São Bernardo em 2004. Existe esta possibilidade?
MAURÍCIO SOARES – Renunciei porque não estava em condições de saúde para continuar. Quanto à possibilidade de disputar a eleição para prefeito em 2004, para aqueles que não confiam na minha palavra, só resta aguardar aquela data e confirmar.

DIÁRIO – Amigos do sr. tentaram convencê-lo a não renunciar pelo menos 50 dias antes do anúncio da decisão. Tanta racionalidade não derruba a tese de que o afastamento foi urgente, para tratamento médico?
SOARES – Minha saída nada teve de urgente, nem dramática. Ao contrário, resultou de um processo bem longo e de uma avaliação cuidadosa, antecedida de longos tratamentos e de dois afastamentos para que pudesse tentar recuperar a saúde. Quando do primeiro afastamento (novembro de 2002) deixei o Dr. Dib avisado de que, se não melhorasse, poderia afastar-me definitivamente. Não houve, portanto, as tentativas precoces no sentido de me convencerem a não renunciar.

DIÁRIO – Existe ainda alguma possibilidade de o sr. vir a assumir algum cargo no governo federal ou estadual?
SOARES – Não tenho qualquer convite para participar do governo estadual ou federal. A hipótese, portanto, é muito remota.

DIÁRIO – Após a renúncia, o sr. recebeu solidariedade do governador Alckmin ou do presidente Lula?
SOARES – Não.

DIÁRIO – O sr. tem afilhados políticos na administração, como os secretários Ademir Silvestre e Carlos Maciel. O que deverá acontecer com eles agora?
SOARES – Não tenho afilhados políticos. O que sempre tive foram companheiros e companheiras de jornada, alguns dos quais permanecem no governo do Dr. Dib. Quanto à indagação do que vai acontecer com eles agora, seria melhor dirigir a pergunta ao novo prefeito e a esses companheiros.

DIÁRIO – O PSDB vai lançar candidatura própria ou o Dib vai mudar para o PSDB?
SOARES – É uma pergunta que não tenho condições de responder. Seria de bom alvitre dirigí-la ao PSDB e ao Dr. Dib.

DIÁRIO – Sua mulher, Laerte Soares, será candidata a vice na chapa do Dr. Dib?
SOARES – Não acredito. Seria melhor perguntar a ela.

DIÁRIO – Considerada a hipótese de que o sr. encerra agora sua vida pública – algo que algumas pessoas não acreditam –, qual a avaliação que faz de sua trajetória?
SOARES – Minha trajetória é conhecida e bem documentada. Seria melhor que ela fosse analisada pela história e pela própria imprensa. Sou uma pessoa normal e minha trajetória teve momentos bons e não tão bons. Com essa visão humana da vida e, consciente de minhas falhas, acho que fiz o possível para cumprir minhas tarefas e servir o povo.

DIÁRIO – Como o sr. vê a história do Grande ABC no contexto nacional, agora que a região elegeu um presidente?
SOARES – A história do ABC também tem altos e baixos, momentos de preocupação, como os de hoje. Os ares da globalização, os novos conceitos e métodos de produção, a automação, a terceirização, a racionalização e outros fenômenos, atingiram em cheio o jeito de nossas indústrias produzirem. Daí a crise. Daí o desemprego. Temos de buscar novos caminhos para o desenvolvimento, sabendo que a jornada é dura e cheia de obstáculos. Baseados na nossa capacidade de organização, na vontade do nosso povo e das nossas instituições no propósito generoso de construir, as dificuldades podem ser superadas, devagar.

DIÁRIO – O sr. ainda é lembrado como um dos grandes nomes do PT. Foi um erro ter deixado o partido?
SOARES – Gostaria de ser lembrado como alguém que, desde sua mocidade, esteve presente em todos os movimentos de nossa história recente, como na resistência à ditadura, no movimento sindical, nas pastorais da Igreja (católica), nos movimentos populares, no voluntariado, nos partidos e na vida política em geral. Não me considero, em momento algum, uma figura de destaque no PT, nem em qualquer outro partido. Mas nunca me omiti, comparecendo sempre com a parcela modesta de minha contribuição social. Gosto muito do PT e nele deixei 12 anos de minha vida, como militante, como dirigente e como prefeito. Deixei lá alguns tijolinhos e vários amigos. Prezo muito a liberdade de pensar e agir. Patrulhamento me incomoda. Gosto muito de pensar com minha cabeça. A conversão para o centro que o PT de Lula hoje implementa, eu já fiz há dez anos ou mais. Foi esse jeito de ser que me incompatibilizou com setores do PT, os mesmos que hoje ensaiam uma oposição ao governo Lula. Por isso saí. Certo? Errado? Não sei.

DIÁRIO – É melhor governar com o PSDB ou com o PT? Há mudança no padrão de qualidade das novas lideranças petistas?
SOARES – Acho que novas lideranças que beberam na experiência desse nosso povo sofrido, desse nosso Brasil tão injusto, na experiência do socialismo real, hoje são maioria expressiva no PT. Assimilaram bem conceitos importantes, como o da convivência com pluralidade das idéias, com a certeza de que ninguém é dono exclusivo da verdade inteira. A ditadura militar, que tantas lideranças alijou do processo, matando, exilando, prendendo e torturando, nos fez entender que nossas pobres divergências nos dividiram durante tanto tempo que, por pouco, não inviabilizam a retomada do processo democrático. Essas coisas são sinais positivos. De esperança. Quanto a ser melhor governar com o PSDB ou com o PT, é difícil dizer. Depende muito das pessoas, das circunstâncias, do local. A política é uma arte complexa. Excelentes administradores e políticos estão presentes em quase todos os partidos. E há os que comprometem.




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