A síndrome da mancha branca tem sido motivo de muita dor de cabeça para os produtores de camarão em todo o mundo. E não é para menos. Em algumas regiões produtoras de países como Equador, Sri Lanka e Taiwan, as populações cultivadas desse crustáceo foram totalmente dizimadas pelo vírus causador da doença. Atualmente não existe tratamento para essa virose, que compromete especialmente o sistema imunológico do animal, acarretando sua morte. Quando ocorrem surtos nos cultivos, os órgãos oficiais recomendam isolar e exterminar os indivíduos infectados.

Mas uma alternativa investigada no LIAA (Laboratório de Imunologia Aplicada à Aquicultura), da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, mostrou-se eficiente para combater o vírus responsável pela síndrome, conhecido pela sigla WSSV (vírus da síndrome da mancha branca, em inglês). A análise dos experimentos revelou que mais de 70% dos camarões infectados sobreviveram e 80% deles deixaram de ser portadores do vírus. O mérito do trabalho cabe à engenheira de aquicultura Cristhiane Guertler, do LIAA, que realizou as pesquisas durante seu mestrado, sob orientação da professora Luciane Perazzolo.

"Para silenciar o vírus, empregamos a técnica do RNA de interferência, que ativa as defesas antivirais nos animais desafiados", explica Guertler.

Ela produziu um RNA de dupla fita (dsRNA) de sequência homóloga à do gene que codifica uma proteína viral e o introduziu nos camarões utilizados no estudo. Quando injetado no animal, esse dsRNA é reconhecido pelo organismo do camarão como uma molécula estranha e ativa o mecanismo antiviral. O passo seguinte foi infectar os camarões com o vírus da mancha branca.

"Todos os animais infectados que não tinham recebido a injeção de dsRNA morreram em cinco dias, enquanto os que receberam a injeção sobreviveram", comenta Guertler.

Segundo a pesquisadora, a carga viral da infecção foi propositadamente alta para avaliar com segurança a eficácia do método.

Meta para o futuro é achar alternativas mais baratas

O RNA de interferência é uma das defesas naturais do sistema imunológico, presente em animais e plantas. A descoberta do mecanismo, que permite silenciar genes com precisão, rendeu aos biólogos norte-americanos Andrew Fire e Craig Mello o prêmio Nobel de Medicina em 2006. Nos invertebrados - caso dos camarões -, o RNA de interferência tem uma importância ainda maior, já que esses animais não possuem um mecanismo de defesa adaptativo que permita a vacinação.

Em 2004, a morte súbita de camarões em 85% das fazendas de cultivo em Santa Catarina surpreendeu os produtores e acarretou prejuízos da ordem de R$ 6 milhões em todo o estado. Diante do problema, causado pelo vírus da síndrome da mancha branca, o grupo do LIAA deu início às pesquisas destinadas a combatê-lo por meio do mecanismo do RNA de interferência.

Os trabalhos de desafio viral foram realizados no município catarinense de Araquari, longe do mar, para evitar qualquer risco de alastramento da mancha branca para populações naturais. A doença recebe esse nome por deixar a carapaça (exoesqueleto) dos camarões com manchas arredondadas e esbranquiçadas. Mas não representa qualquer perigo para os seres humanos, mesmo aqueles que se alimentam de animais infectados. Durante os estudos, a equipe da UFSC utilizou uma espécie exótica de camarão, Litopenaeus vannamei, originária do Oceano Pacífico e, atualmente, a mais cultivada em todo o mundo.

Segundo Guertler, pretende-se, no futuro, criar alternativas mais baratas e de fácil aplicação para que a técnica testada no LIAA possa ser empregada em campo na prevenção de viroses de camarões cultivados no Brasil.