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'Só muda o endereço'
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
26/08/2006 | 19:56
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O metalúrgico Gilson Soares da Silva, 42 anos, ainda tem dificuldade para assumir a condição de “ex”. Demitido da Ford há seis anos, ele ainda trabalhou por alguns meses na função de soldador, em outra empresa. Durou pouco. Assim como o dinheiro que recebeu ao ser desligado da montadora de São Bernardo, em 2000. “A fábrica passou dois anos ameaçando demitir. Era terrorismo. Todo dia dormia preocupado. Até que colocaram 2,5 mil homens na rua. Tudo pai de família.”

Gilson acompanha, sem surpresa, a queda-de-braço entre sindicalistas e diretores da Volks. “De uns anos pra cá, as montadoras estão enxugando, enxugando. Só muda o endereço. Agora é na Anchieta. Mas já foi no Taboão”, comenta, referindo-se ao bairro que abriga a Ford.

Depois de perder o emprego de soldador – e vendo a conta bancária esvaziar –, Gilson decidiu comprar uma Kombi. Trabalha como autônomo, transportando desde peças de carro e caminhão até comida de buffet. Casado, duas filhas crescidas, ele ganha R$ 2 mil por mês, mas gasta R$ 600 para trabalhar. Na Ford, ganhava quase o dobro, por menos horas de labuta. “Não tenho final de semana. Vale transporte, FGTS.”

A única “extravagância” a que a família se permite é pagar um plano de saúde particular para a esposa, que sofre de “dores de cabeça”. O professor da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) da USP, Isaías Custódio, diz que o desemprego esmaga o consumo e transforma até o que seria prioridade em supérfluo. “A última despesa que se corta é com comida. Não só a cadeia produtiva da indústria, mas todos os setores da economia são afetados. Se a Volks fechar, serão 50 mil pessoas deixando de consumir. O desemprego será generalizado”, diz o especialista em administração pública.

Para ele, a solução emergencial é gerar programas de natureza compensatória, como de transferência de renda e frentes de trabalho. “O grande problema é que o poder público age numa velocidade paquidérmica. Muitos gestores pecam pelo amadorismo, mais até do que pela corrupção.”

Além de reforçar os serviços essenciais gratuitos, Custódio diz que é fundamental incentivar programas de reciclagem e capacitação profissional. Gilson “já” passou dos 40. Não há oportunidade de emprego na metalurgia. Ele cansou de espalhar curriculuns. Quer aposentar a Kombi. E terminar a casa que começou a construir nos tempos de Ford, em São Paulo, bem na divisa com Diadema. “Falta dinheiro para rebocar. Ainda tô no improviso. É assim há anos.”




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