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Bar tem noites ardentes na quarta-feira
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
01/04/2003 | 20:05
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Quarta-feira, 26 de março, 23h. O destino é o Vera Cruz, em São Bernardo. Se você pensou naquele antigo pavilhão que abrigava a companhia de cinema nos anos 50, começou errado. O Vera Cruz dessa história é o bar, que fica nas proximidades do velho estúdio.

Nas noites de quarta-feira, o Vera Cruz Bar realiza o Quartas Intenções, um projeto ainda sem concorrência no Grande ABC e com enredo simples: os homens ficam trancados na parte de baixo do bar e as mulheres presas lá em cima. Para entreter a todos, shows de striptease: go-go boys para elas (estilo Clubes das Mulheres) e peladonas para eles.

As apresentações começam à meia-noite. Quarenta minutos mais tarde, quando as performances terminam, salve-se quem quiser.

Na chapelaria, onde ninguém mais deixa chapéu, pode-se deixar o agasalho e ouvir da atendente o seguinte comentário: “Se esquentou agora, imagine quando começar o show...”

No andar térreo, homens de todos os tamanhos e cores. Muitos homens. Com costeletas, com topetes, sem topetes, com brincos em forma de argola, com camisa rosa e gravata azul. A maioria, na idade da caça (20 a 30 anos).

Um careca com pinta de lutador de jiu-jítsu estranha: “Meu, só tem homem nesse lugar”. Experiente, o amigo o tranqüiliza: “A mulherada está presa lá em cima”.

Beatles – A casa, decorada com pôsteres de filmes antigos, tem ambiente acolhedor e jeito de pub inglês. Na TV, o São Caetano perdia para o Botafogo por 2 a 0. Quando o jogo terminou, apareceu a imagem da MTV, com alguém falando que “os Beatles foram a banda definitiva”.

No palco do bar de São Bernardo, o grupo Kaleidoscope, que faz o gênero “mamãe, vim a pé de Woodstock”, ataca de Creedence Clearwater Revival, Yellow River, Jim Morrison e até Beatles (I Wanna Hold Your Hand).

Meia-noite passada, o público começa a ficar impaciente. O coro dos bêbados não se segura e grita: “B...! B...!” – um termo que o professor Pasquale qualificaria como “uma chula referência à genitália feminina”. Entra Suzana. O apresentador erra o nome: “Vem aí Suzana Pitschel!” Depois, corrige: “Pitel”.

Vestida de odalisca, ela sobe no tablado, um quadrado de uns 2m por 2m que é uma espécie de palco improvisado. De fio dental, ela logo leva uma passada de mão do bêbado da fila do gargarejo. Justiça seja feita ao bêbado: Suzana tem tudo no lugar. Nem um milímetro de gordura na musculatura malhada. Toda de vermelho e dourado.

O coro dos bêbados: “Suzana! Suzana!”

Suzana tira o véu. É loira. Clone daquela ex-dançarina do É o Tchan que a gente não lembra mais o nome. “Tira! Tira! Tira!”. Cai o sutiã. E termina por aí.

A próxima que aparece é Marcela. Máscara de ninja, aquela que deixa só os olhos de fora. Ela veste casacão de couro, botas até o joelho e indumentária de guerreira sadomasô.

Os bêbados: “Delícia! Delícia!”

Marcela é de titânio. Ela agarra um infeliz da platéia e o amarra em uma cadeira. Senta no colo dele. Usa e abusa. Depois, pega outro sujeito e lhe dá uns tapas no bumbum. O garotão ao lado não se contém e grita: “Bate no meu, Marcela”. Enquanto isso, vai tirando tudo até ficar só de calcinha fio dental e botas. Em volta, as mãos estendidas resvalam nos pés, nas pernas e nos seios.

Os bêbados: “Gostosa! Gostosa!”

Michele – Depois de Marcela, entra Michele, outra odalisca. Sua fantasia é formada por dezenas de moedinhas douradas. “Quem quer pegar na moedinha dela?”, pergunta o apresentador.

Dezenas de mãos se erguem no recinto.

Michele, a gente percebe logo de cara, não está para brincadeiras. Ela também tem mania de pegar a garotada da fila do gargarejo para igualmente usar e abusar da bondade deles.

Põe o pessoal no palco e faz de tudo um pouco: agarra, beija, senta, bate. Uma de suas vítimas é Lindomar, 37 anos, analista de sistemas. “Me diverti a valer”, ele diria mais tarde.

Michele fica só de fio dental e a peça – malandra – é pouco ortodoxa. Não fica necessariamente no lugar. Michele pega cabeças e as aproxima daquele lugar sagrado. Se até esse momento alguém não estava suficientemente turbinado, depois de Michele as últimas resistências desaparecem.

Termina o show e as portas da esperança se abrem. Nessa hora, os bêbados se transformam em réplicas de Moisés. É só segui-los para chegar na Terra Santa. “Vamô invadiiii!”, é o grito de ordem.

Os homens sobem correndo a escada caracol de metal e chegam ao piso superior, onde estão as mulheres, devidamente acesas. Denise, 30 anos, secretária, que vem da Vila Maria, em São Paulo, conta que os go-go boys incendiaram as garotas: “Elas não se seguram e partem para cima.” Outra revela que a mulherada agarra as pernas dos strippers, dá unhada e até morde.

O tempo passa e já é quinta-feira, 1h30. O Vera Cruz Bar virou um espaço normal. Em cima, prevalece o ruído tecno e, em baixo, I Wanna Hold Your Hand. Casais se formam, trocam beijos e confissões.

Lindomar conta que mora na Freguesia do Ó e descobriu o Quartas Intenções, graças a sua amiga Xênia, 34 anos, uma bancária que mora em Santo André. Lindomar derrama-se em elogios: “A proposta é boa, criativa, divertida, inovadora. O som é excepcional”.

Xênia vê a performance de Michele & Cia. com bons olhos: “Os homens estão precisando de um incentivo para atacar as mulheres. Eles estão muito na retaguarda”. A divisão de espaços, as performances, tudo isso, Xênia descobre, é um tipo de “Viagra cultural”.

Na hora de pagar a conta, prepare-se. O Quartas Intenções é salgado. A entrada custa R$ 30 e a consumação mínima é de R$ 15. Quem toma apenas um chopinho e uma Pepsi morre com R$ 51. As mulheres pagam só R$ 10.

Será que vale a pena, Lindomar?: “Ô, se vale...”




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